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domingo, 4 de agosto de 2019

BOLSONARO E OUTRAS VIDAS PARALELAS



O presidente Jair Bolsonaro “não é nenhum santo”, como não o era o rei Dom Pedro, o Cru e Justiceiro, entre outros epítetos, mas por que comparar mandatários tão distantes um do outro, embora lusófonos, à moda das Vidas Paralelas, obra de Plutarco que compara célebres personalidades da Roma e da Grécia antigas? Para recomendar uma terceira leitura, bem curtinha e preciosa, de um autor português falecido há apenas quatro anos, lida e trabalhada em escolas de qualidade.

Aqueles que deram indulgências plenárias a diversos políticos, pegos em tempos recentes com a boca na botija, são os mesmos que tratam com extraordinário rigor o atual Presidente, assim como são mais delicados ao falar de bandidos e mais rudes quando comentam o comportamento esperado ou mesmo deslizes de autoridades que os combatem. Ora, uns já foram condenados. Outros nem réus são ainda!

O presidente Bolsonaro parece empenhado em dar razão a quem o marca tão duramente, pois na semana passada incorreu de novo em “emenda pior do que o soneto” — outra frase famosa para evitar explicações — nos tropeços sobre a palavra “paraíba”, utilizada popularmente no Rio para designar o migrante nordestino, equivalente a “baiano” em São Paulo. A uns e outros o Brasil inteiro deve muito!

Diz o brocardo que “temos duas orelhas e uma boca para ouvir o dobro e falar a metade”. Depois de proferidas as inconveniências,  “Inês é morta” e “se não tem remédio, remediado está”.

Há vários políticos brasileiros conhecidos por seus destemperos, sobretudo verbais, mas o atual Presidente lembra o soberano português que mandou retirar do túmulo o cadáver da amada, “aquela que depois de morta foi rainha”, para a cerimônia do beija-mão, de vila em vila.

Ora, “Inês é morta” também para o Presidente. A eleição já passou, ele é o novo Presidente. Todavia parece ainda muito preocupado com os vencidos e de resto talvez dê atenção exagerada a assuntos que deveriam estar “mortos e enterrados”, como diz outra expressão da rica fraseologia do português para designar coisas sobre as quais nada se pode fazer.

Seu humor, por vezes cruel e desjeitoso, lembra o conto Teorema, do escritor português Herberto Hélder, mais conhecido como poeta, falecido em 2015, aos 84 anos.

Em trecho do conto, quando da execução dos carrascos de sua amada, o soberano ordena: “Preparem-me esse Coelho, que tenho fome”. “O rei brinca com o meu nome”, diz um dos “brutos matadores” de Inês, “aquela que depois de morta foi rainha”, amante do soberano justiceiro, executada por ordens do sogro. O narrador da história é o supliciado, de quem arrancam o coração pelas costas e o servem ao rei numa bandeja de prata.

Eram três os algozes, os três conseguiram escapar, mas dois foram extraditados de Castela, o reino vizinho, e foram executados em praça pública lotada.

Tomado de vingança, em ato horroroso, presidido pelo soberano, foram mortos Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves, que teve o coração retirado pelo peito. Como se misturaram lenda, história e literatura, consta que o carrasco tentou demover o rei do modus operandi proposto, gestos sanguinolentos por serem de quase impossível execução. Mas foram mortos como o rei ordenou.
Diogo Lopes Pacheco, o terceiro algoz, continuava na França, que não o extraditara, e foi perdoado por Sua Alteza, já então no leito régio de morte. Ou talvez o indulto seja lenda e o perdão tenha sido dado por seu sucessor.

O carrasco viveu até aos 88 anos. O rei cruel, filho do rei benigno, morreu aos 47. Uma curiosidade adicional: Dom Pedro, o Cru, era neto de Santa Isabel de Aragão, esposa de Dom Dinis, o primeiro rei de Portugal.

Nem sempre o Bem vence o Mal, inicialmente. É por isso que é indispensável ser persistente nas boas ações, não nas más. Ou, para terminar a crônica, mais uma frase emblemática: “fazer o bem sem olhar a quem”. E quanto aos poderosos do dia, o conselho de Luís de Camões, que tratou de Inês de Castro em Os Lusíadas: “Queria perdoar-lhe o Rei benigno,/ Movido das palavras que o magoam;/ Mas o pertinaz povo, e seu destino/ Que desta sorte o quis, lhe não perdoam”. Logo no episódio seguinte, Camões dirá do sucessor de Dom Pedro, o Cru: um fraco Rei faz fraca a forte gente”.

Por Deonísio da Silva — Diretor do Instituto da Palavra & Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

AÉCIO E A HISTÓRIA DO NOME AÉCIO


O senador Aécio Neves, afastado por suspeitas de corrupção e reempossado por uma decisão absurda de seus pares, embasada na decisão ainda mais absurda do STF ― obrigado, ministra Cármen Lúcia, por seu estapafúrdio Voto de Minerva ―, foi alvo de críticas e palavras de ordem dos tucanos paulistas, no último domingo, durante a convenção estadual do partido. No plenário e nos corredores da Assembleia Legislativa, militantes gritavam Fora, Aécio!

Se esta Banânia fosse realmente um país civilizado, o conselho de ética do Senado jamais teria... Bom, deixa pra lá... Afinal, o que esperar de um país governado por um presidente duplamente denunciado por corrupção, associação criminosa e obstrução à Justiça; um país que tem como pré-candidato à sucessão presidencial um criminoso condenado e réu em mais 6 ações penais; um país onde a Justiça Eleitoral ignora provas cabais contra uma chapa que abusou do poder econômico para se eleger ― e financiou sua companha com dinheiro roubado ― simplesmente porque o presidente do TSE é amiguinho do presidente da República; um país cuja mais alta é integrada por figuras como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli?

Voltando a Aécio, o neto de Tancredo ― que a esta altura deve estar se revirando na tumba ―, o professor Dionísio da Silva tece algumas considerações curiosas sobre a origem do nome, como você pode conferir no blog do jornalista Augusto Nunes ou ler no texto transcrito a seguir:

De onde veio este nome tão memorável para um senador que está fazendo tanta coisa feia? Nome é uma das primeiras coisas que não escolhemos na vida, ao lado dos pais que temos, do país em que nascemos e das primeiras escolas que frequentamos.
O nome Aécio começa com “A” porque veio do Latim escrito Aetius, que é dito “Écius”. Se viesse do Latim falado, seria Écio, como tantos outros no Português se chamavam e se chamam.
Aetius é palavra que veio do Grego Aétios para o Latim. Quem tornou este nome muito popular foi o general Aécio (Flavius Aetius, diz-se “Flávius Aécius”, era seu nome em Latim). Ele comandou o exército romano na vitória sobre Átila na segunda metade do século V.
O rei dos hunos, cujo cavalo impedia que a grama crescesse por onde ele passava, estava fazendo mais um arrastão no poderoso império romano e vencendo todas as batalhas. Dalton Trevisan, atento observador de tudo, diz que o cavalo de Átila era uma égua.
Mas não tinha ainda enfrentado Aécio, que, em face de um exército imperial destruído, comandava tropas sem um único soldado regular. O que o general Aécio fez passou à História como grande lição militar e de vida: procurou alianças. Primeiro com chefes militares e depois com aristocratas.
E assim derrotou o temível Átila, rei dos hunos, que assombrava o império romano liderando os povos bárbaros e perpetrando as maiores atrocidades.
A famosa Batalha dos Campos Catalúnicos foi travada no dia 20 de junho do ano 451, em território hoje pertencente à França. Aécio teve piedade com o derrotado e permitiu que ele escapasse. A causa da batalha? Como a de tantas outras, uma ninharia. Mas vamos seguir a famosa recomendação: Cherchez la femme (Procurai a mulher).
Justa Grata Honória, irmã complicada do imperador romano Valenciano III, estava casada desde há alguns anos com um senador chamado Herculano, que, muito ciumento, não a deixava sair de casa para nada. Honória enviou, então, uma mensagem ao rei dos hunos pedindo socorro. Houve problemas de tradução do Latim para o Huno, língua hoje extinta, da qual sobraram poucas palavras, a maioria nomes de pessoas.
Átila entendeu que era uma proposta de casamento. Por isso, exigiu de dote para a noiva a metade dos domínios do imperador romano Valenciano III, que naturalmente recusou. E Átila lançou mais um de suas campanhas contra o já não tão poderoso império romano. Mas, então, se ferrou, como se diz popularmente, cuja variante é obscena e não deve ser aqui registrada.
Átila morreu na noite de núpcias dois anos depois de derrotado por Aécio. Segundo alguns, envenenado por inimigos presentes à festa das bodas. Segundo os historiadores romanos e as sagas lendárias, atravessado pela adaga da noiva, que se chamava Gudrun. Ela ainda tocou fogo no palácio, matando muita gente.
A história diz uma coisa, as narrativas lendárias dizem outras. E Gudrun foi parar na famosa Canção dos Nibelungos, agora com o nome de Kriemhild, que veio para o Português com dupla grafia: Cremilde e Cremilda.
No Germânico, Cremilda é aquela que luta com a cara encoberta. Quer dizer, sem cara dura. Duro é só o elmo que a protege. Assim, poderia dispensar o óleo de peroba.
O antigo Aécio tinha vergonha na cara e ninguém lhe recomendaria óleo de peroba, como prescrevem tantos hoje nas redes sociais ao senador Aécio Neves, derrotado por Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2014. “Ele iludiu mais de 50 milhões de brasileiros” e “voltou a escancarar a face escura”, observou o jornalista Augusto Nunes, acrescentando que agora só resta aos tucanos dignos “abandonar o ninho infestado de vigaristas”.

*Deonísio da Silva é diretor do Instituto da Palavra e Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá.

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