Mostrando postagens com marcador Marco Aurélio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marco Aurélio. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CORTINAS DE FUMAÇA E ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Eu já havia concluído a postagem de hoje quando soube da declaração do deputado Eduardo Bolsonaro — aquele que seria indicado para embaixador do Brasil nos EUA, mas que atendeu ao pedido do papai presidente e ficou por aqui mesmo, para servir seu país como líder do governo da Câmara dos deputados. Dentre outras estultices, o parlamentar defendeu medidas drásticas — como "um novo AI-5" — para conter manifestações de rua como as que ocorrem no Chile atualmente.

Durante a campanha eleitoral, um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra Zero Três dizendo que era necessário apenas "um cabo e um soldado" para fechar o STF. Na última terça-feira, em discurso no plenário da Câmara,  o deputado afirmou que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir". Na ocasião, ele não explicou a que período se referia, mas deixou isso claro na entrevista que concedeu à jornalista Leda Nagle, que foi veiculada na tarde de ontem: "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".

Ao ser questionado por jornalistas, Bolsonaro pai não escondeu seu desagrado, mas limitou-se a sugerir que cobrassem do filho as explicações, e que quem falasse tamanha besteira só poderia estar sonhando. Quando chegar em casa, o menino vai levar boas palmadas (e parece que levou mesmo, como se vê na atualização mais abaixo).

Brincadeira à parte, a diarreia verbal de Zero Três — que teria prestado um bom serviço ao nosso país se tivesse ficado nos EUA, fritando hambúrgueres numa lanchonete que serve somente frango frito — caiu como uma bomba no Congresso, levando, inclusive, os presidentes de ambas as casas a se manifestar. Ambos repudiaram as declarações do deputado, naturalmente, a exemplo do que fizeram outros parlamentares que a imprensa conseguiu pegar no laço (quinta-feira à tarde sobram bem poucos congressistas em Brasília). Alguns falaram na cassação de Eduardo por quebra de decoro parlamentar.

ATUALIZAÇÃO:

Depois da repercussão negativa de sua parvoíce, Eduardo Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, fez o que já se esperava: “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira, mesmo eu não fazendo parte do governo, está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”.

Desmentidos não faltaram nos 10 meses que o governo Bolsonaro completa neste dia de Todos os Santos. Isso e a indefectível atribuição de culpa à imprensa — que tem lá sua parcela de responsabilidade, mas não neste caso específico. Mas, afinal, que efeito imaginava o deputado obter com sua estapafúrdia sua declaração, senão desagradar a gregos e troianos?  Na Câmara, já se fala em pedir sua cassação. Não sei se a punição é cabível, mas sei que a maioria de seus pares não tem moral para criticá-lo, nem a quem quer que seja. Sobretudo os de esquerda. Isso sem mencionar o todo-poderoso "Botafogo", que publicou um post repudiando o despautério, sendo prontamente seguido pelo presidente do Senado — outro que... bem, melhor deixar pra lá. Quem tem telhado de vidro não deveria jogar pedra em telhado dos outros, mas quem sou eu para meter a colher nesse caldeirão? Na melhor das hipóteses, apenas mais um eleitor (que não votou no deputado, diga-se de passagem).

Salvo melhor juízo, há um pouco de exagero nisso tudo. Estão fazendo tempestade em copo d'água, como fazem a cada pronunciamento "polêmico" de Jair Bolsonaro e respectiva prole. Basta relembrar outras falas pitorescas do deputado de Zero Três para ver que a asnice da vez não chega a surpreender. O que assusta é sua, digamos, falta de tato, sobretudo se considerarmos que esse parlamentar foi cogitado para o cargo de embaixador nos EUA.

Partidos da oposição ameaçam pedir a cabeça de Eduardo já nos próximos dias. Não há base para responsabilizá-lo criminalmente, como alguns de seus pares — demonstrando conhecimentos jurídicos profundos como um pires — ameaçaram fazer. Já a cassação é uma medida de caráter político e, para que aconteça, basta vontade política. Por outro lado, há parlamentares (pelo menos três) que discutem leis durante o horário de trabalho no Congresso e voltam à cadeia para dormir, o que demonstra que as tais "comissões de ética" da Câmara e do Senado são tão inúteis quanto sapatos para minhocas.

Volto a esse assunto oportunamente, talvez na postagem de amanhã. Antes de passar ao texto que eu havia preparado para esta sexta-feira, dia de Todos os Santos, segue a transcrição do comentário de Josias de Souza sobre o capitão e distintíssima prole.

A loucura tem razões que a sensatez desconhece. Jair Bolsonaro é um ex-capitão que deixou a tropa depois de um episódio de indisciplina. Chegou ao Planalto com mais de 57 milhões de votos, numa ascensão meteórica que coroou 28 anos de vida parlamentar. E seu filho querido, Eduardo Bolsonaro, eleito deputado com a maior votação do país, achou que seria uma boa ideia defender numa entrevista a volta do AI-5, o mais draconiano ato institucional da ditadura militar, que mergulhou o Brasil nas trevas. Impossível contemporizar. Se isso não acabar no plenário da Câmara na forma de um processo de cassação por quebra do decoro parlamentar, ficará entendido não que Eduardo Bolsonaro está meio maluco, mas que o Legislativo está completamente doido. 

Como alternativa para combater uma hipotética radicalização de esquerda, o príncipe herdeiro sugere uma legislação repressora qualquer, "aprovada através de um plebiscito". O plebiscito é uma forma de expressão da vontade do povo. Está previsto na Constituição. Entretanto, a defesa de plebiscitos nos lábios do filho de um presidente que acaba de ser eleito é uma ideia golpista destinada a emparedar o Congresso, à moda de Hugo Chávez. É uma maluquice dentro da outra. 

A pretexto de se contrapor a um inexistente levante esquerdista de rua, o filho do monarca sugere a adoção do veneno como antídoto. Esse penúltimo despautério produzido no seio da primeira-família chega dias depois da estupidez anterior, que foi a veiculação do vídeo em que o presidente-leão estava cercado por hienas-rivais. Bolsonaro desculpou-se pelo post que Carlos Bolsonaro, o príncipe Zero Dois, disse que ele mesmo havia divulgado. Desculpas já não resolvem. Pode-se apagar um vídeo do Twitter. Mas é impossível deletar os pendores autoritários do DNA dos Bolsonaro. Por sorte, a democracia tem remédios contra esse tipo de patologia.

Sobre o infeliz vídeo que compara Bolsonaro a um leão e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições a um bando de hienas, disse o togado supremo Marco Aurélio que pode ser uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz. É possível que desta vez o ministro esteja certo — afinal, nem ele é capaz de errar todas as vezes. Aliás, o decano supremo também criticou o vídeo, que foi publicado na conta oficial do presidente no Twitter e depois apagado, devido à repercussão negativa. Detalhe: Em 1989, quando foi promovido a ministro supremo, Celso de Mello foi chamado de “juiz de merda” pelo então ministro da Justiça (Saulo Ramos). Vejam vocês onde fomos amarrar nosso bode.

Bolsonaro retornou ao Brasil nesta quinta-feira, depois de um périplo pela Ásia e Oriente Médio que começou pelo Japão, no dia 22, passou pela China, pelo Catar e pelos Emirados Árabes, terminou na Arábia Saudita e cumpriu (ao menos em parte) o objetivo de fechar parcerias comerciais e atrair investimentos para o Brasil — o destaque foi a notícia de que o fundo soberano da Arábia Saudita investirá US$ 10 bilhões no Brasil, e que, na China, o governo assinou protocolos sanitários para exportar farelo de algodão e carne termoprocessada. Mas o que mais repercutiu na mídia foi a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. E, claro, as polêmicas do vídeo do leão entre hienas e da menção do nome de Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco.

Nesta semana, tanto a FOLHA quanto O GLOBO divulgaram áudios em que Queiroz aparece falando sobre a demissão de uma funcionária "fantasma" do gabinete de Zero Dois, que é vereador no Rio de Janeiro (a Cileide, que eu não sei se é a mesma do Doutor Pimpolho). Durante a viagem, o capitão afirmou que a funcionária do gabinete do filho não era fantasma e que sua demissão “não tem nada para espantar”.

Sobre o imbróglio Marielle, a perícia feita pelo MP não detectou se algum áudio foi excluído do sistema do condomínio de Bolsonaro, mas encontrou a gravação de Ronnie Lessa autorizando a entrada de Élcio de Queiroz no dia da morte da vereadora. Seja lá como for, essa relação da primeira família com milicianos não vem de hoje. Galinha que anda com pato acaba se afogando. Para bom entendedor...

A despeito de toda essa merdeira, a Bolsa bateu mais um recorde na quarta-feira, encerrando o pregão com alta de 0,79%, aos 108.407 pontos. Na manhã da quinta, porém, a Bovespa voltou a registrar uma forte queda, com negócios ainda ditados pela temporada de balanços corporativos do terceiro trimestre, após reunião do COPOM confirmar expectativa do mercado de corte na taxa básica de juros (Selic): às 11:12 do dia das bruxas, o índice B3 registrava baixa de 1,83%, com 106.426,88 pontos, mas se recuperou ao longo do dia e fechou em 107.219,83 pontos — ainda em baixa, mas de "apenas" 1.10%.

Até onde se consegue ver em meio à poeira que ainda não baixou totalmente, esse furdunço parece ter nascido morto, pelo menos à luz do que já se apurou sobre o depoimento do porteiro. Mas tem potencial para azedar de vez a relação do presidente com Wilson Witzel, que evoluiu de ruim para muito pior. Antes, Bolsonaro estava em rota de colisão com o governador fluminense; agora, entrou no estágio da explosão. 

Bolsonaro atribui a Witzel o vazamento de informações judiciais sigilosas sobre o depoimento em que um porteiro o envolveu "levianamente" no caso Marielle, e acusa o ex-aliado de ter ordenado à polícia civil do Rio a manipulação do inquérito — um "ato criminoso" de quem tem a ambição de chegar ao trono presidencial. Aliás, é impressionante a competência do capitão em semear inimizades (cito os casos do ex-coordenador de campanha e ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno e, mais recentemente, do general Santos Cruz e de ex-correligionários como Luciano BivarAlexandre Frota e Joice Hasselmann, apenas para ficar nos mais notórios).

Bolsonaro disparou também contra a Globo — usando, inclusive, termos como "patifaria", "porra", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre". A irritação se justifica: uma matéria isenta deveria focar as contradições no depoimento do porteiro, e não da forma como a notícia foi veiculada, plantando a dúvida para só depois atrelar frases adversativas, como "mas o registro da Câmara aponta que Bolsonaro estava em Brasília", por exemplo. Na avaliação de José Nêumanne, a "barrigada" da emissora foi fruto de vagabundagem no duplo sentido da palavra: preguiça e abandono de mínimos cuidados a ser tomados em qualquer denúncia, caso de dar a palavra ao denunciado, qualquer que seja ele. A Vênus Platinada errou ao não ouvir a versão de Bolsonaro e este, ao fazer uma live furiosa, insinuando, inclusive, que pode tornar bastante difícil a vida da Globo em 2022, quando ela deverá renovar sua concessão de TV pública. Segundo especialistas em comunicações, porém, o poder do presidente da República de interferir na concessão de uma emissora de TV é remoto, justamente para preservar a liberdade de imprensa.

Enfim, quem revirar esse angu ainda vai encontrar muitos dentes de coelho — como um segundo áudio, que teria sido apagado, o sumiço de imagens das câmeras de segurança, sem mencionar o vazamento de dados (vale lembrar que a investigação corre sob sigilo na Justiça do Rio). Vamos continuar acompanhando.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

MARCO AURÉLIO E A SUPREMA MORDAÇA



Indignado com as declarações de Bolsonaro sobre a morte do pai do presidente da OAB, Marco Aurélio Mello sugeriu que o capitão usasse uma “mordaça” para evitar tais comentários. “Tempos estranhos; aonde vamos parar?”, questionou o ministro, apropriando-se do aforismo atribuído a Platão (348/347 a.C).

Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, o primo e apadrinhado de Fernando Collor de Mello queima os últimos cartuchos em busca de alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos que profere nas reuniões plenárias do Supremo com voz sombria de animador de velório. Mas talvez devesse ele próprio tomar uma colherada do remédio que prescreveu ao presidente.

Depois que Verdevaldo começou sua espúria campanha contra Sérgio Moro e a Lava-Jato, Marco Aurélio passou a exibir especial predileção por compartilhar com a imprensa opiniões que deveria guardar para si ou, no máximo, usar para abrilhantar seus votos soporíferos. Mas não. De uns tempos a esta parte, quando se trata de dar palpites sobre seja lá o que for, ele só perde para o colega Gilmar, o insuperável (quem tiver tempo e estômago forte deve ler a entrevista que esse semideus togado concedeu dias atrás ao Correio Brasiliense)  

ObservaçãoA trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Seu pai, Plínio Affonso de Farias Mello é até hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito, Seu prestígio era tamanho que o general Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que o filho Marco a assumisse quando completasse 35 anos. Foi também graças ao prestígio paterno que o hoje ministro supremo foi guindado ao TST, em Brasília, onde o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria mais adiante e cobriria com a suprema toga.

Recentemente, perguntado pelo site da Rede Brasil Atual sobre a indicação de Sérgio Moro para o STF, Marco Aurélio assim se pronunciou: “Que não seja a minha (risos). Você, presidente da República, o indicaria a uma cadeira no Supremo? Eu não indicaria”.

Desde junho, quando o Intercept descarregou o primeiro caminhão de merda sobre Moro e a Lava-Jato, o magistrado vem destilando seu veneno contra o atual ministro da Justiça. Talvez o faça por despeito, já que, em quase 30 anos no supremo, Mello jamais conseguiu uma fração do protagonismo e aprovação popular que o ex-juiz federal conquistou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.

Marco Aurélio Mello sempre teve predileção especial por ser voto vencido e foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Para não repetir o que eu já disse sobre a atual composição do Supremo ser a pior de todos os tempos, sugiro a quem interessar possa reler esta postagem e a seguinte. Mas volto a dizer que a solução não é fechar o tribunal, como defendem alguns extremistas (recomendo assistir ao clipe que eu inseri no final da postagem anterior).

Em julho do ano passado, durante uma palestra em Cascavel (PR), perguntado sobre a hipótese de uma intervenção militar no caso de o STF impedir que o então candidato Jair Bolsonaro, se eleito, assumisse a presidência, nosso presumível futuro embaixador nos EUA disse que aí já se estaria caminhando para um regime de exceção, e que para fechar o Supremo não era preciso mandar sequer um jipe, bastava enviar um soldado e um cabo. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que essa fala, retirada do contexto, viralizou nas redes sociais a uma semana do segundo turno das eleições. Na oportunidade, um Marco Aurélio ainda comedido em suas opiniões fez alusão aos “tempos sombrios” e afirmou que seria preciso aguardar com serenidade o desenrolar dos acontecimentos.

Se Deus quiser, o Diabo não atrapalhar e as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que ministros de tribunais superiores se aposentam compulsoriamente —, Marco Aurélio deixará a STF em 2021. Até lá, se o imprevisto não tiver voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, já nos teremos livrado do decano Celso de Mello — a quem o jurista e ex-ministro da Justiça Saulo Ramos classificou de juiz de merda —, que se aboletou na suprema poltrona em 1989 por obra e graça do eterno donatário da capitania do Maranhão, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como José Sarney

Na sequência, serão expelidos Ricardo Lewandowski em 2023 (ele foi indicado por Lula em 2006); Rosa Weber em 2023 e Luiz Fux em 2028 (ambos foram indicados por Dilma em 2011); Cármen Lúcia em 2029, (indicada por Lula em 2006); Gilmar Mendes nos longínquos 2030 (indicado por FHC em 2002); Luís Roberto Barroso e Edson Fachin em 2033 (ambos foram indicados por Dilma, o primeiro em 2013 e o segundo, em 2015); Dias Toffoli em 2042 (indicado por Lula em 2009) e Alexandre de Moraes em 2043  (indicado por Temer em 2017). Considerando que 7 dos atuais 11 ministros ascenderam ao posto durante os governos lulopetistas, não é difícil entender por que a atual composição é a pior de toda a história desta república.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

AS CRÍTICAS DE MARCO AURÉLIO



Se as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que os ministros dos tribunais são aposentados compulsoriamente —, o ministro Marco Aurélio Mello deixará o STF em julho de 2021. Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, sua excelência parece disposto a queimar os últimos cartuchos buscando alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos, nas sessões plenárias da Corte, que ele tartamudeia com voz de animador de velório.

Em 19 de dezembro passado, por exemplo, Mello esperou os primeiros minutos do recesso de final de ano para publicar uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte (reedição revista, atualizada e abrilhantada com requintes de suprema-toga do igualmente lamentável “caso Favreto”). Dias atrás, o ministro supremo criticou Toffoli por estreitar relações com os presidentes da República, da Câmara e do Senado e participar de um “pacto institucional” sem o aval do STF, e acusou Sérgio Moro — indicado “antecipadamente” para assumir a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no ano que vem — de ter virado as costas para a carreira de juiz ao assumir a pasta da Justiça e Segurança Pública, demonstrando não ter vocação para a Magistratura.

Toffoli merece críticas por participar do tal “pacto institucional” sem o aval dos demais ministros supremos, até porque a negociata envolve temas que podem ser futuramente julgados como controversos pelo colegiado do tribunal. E mais ainda por sua nomeação se ter sido mais uma demonstração cabal de falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro do STF. A propósito, nunca é demais lembrar que, além da reprovação em dois concursos para juiz de primeira instância, o brilhante currículo do indicado contava apenas com serviços prestados ao PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, depois como subchefe para assuntos jurídicos na Casa Civil da Presidência (sob o comando de José Dirceu) e advogado-geral da União, cargo que exerceu até 2009, quando vestiu a toga suprema por cima da farda de militante petista (clique aqui e aqui para mais detalhes).

É possível que o ciúme e o despeito tenham levado Marco Aurélio a destilar seu veneno, já que jamais conseguiu, em quase 30 anos no STF, uma fração do protagonismo e aprovação popular que Moro granjeou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná. Demais disso, todos têm direito a suas opiniões, mas fala-se muita bobagem hoje em dia. Prova disso é a sugestão estapafúrdia de Bolsonaro em sua recente viagem à Argentina, de que as duas maiores economias da América do Sul possam ter uma moeda única, semelhante ao euro (de tão estapafúrdia, a ideia pode até dar certo, mas eu ainda acho que isso é o tipo de notícia que causa um tremendo alvoroço num dia e é esquecido no dia seguinte). E também se critica demais — sobretudo nos tribunais virtuais das redes sociais —, mas não raro a contundência da crítica se dilui diante da postura e da vida pregressa do crítico.

Talvez Marco Aurélio tenha razão em reprovar o aumento da interferência política na definição da pauta de julgamentos do STF. É fato que nas últimas semanas, depois de se reunir com Bolsonaro, Maia, Alcolumbre e parlamentares da bancada evangélica, Toffoli tirou da pauta temas delicados, como a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e legalização do aborto em casos da infecção da gestante pelo vírus da zika. Mas isso é conversa para outra hora. Vamos ao que interessa, lembrando inicialmente uma velha modinha popular que encerra um mundo de sabedoria:



A trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Depois de se formar em Direito pela UFRJ, em 1973, o dito-cujo ingressou na vida pública, em 1981, como procurador na Justiça do Trabalho — excrescência gestada e parida por Getúlio Vargas, nos anos 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder do “trabalhismo”. O cargo foi obtido não por concurso, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, que até hoje é reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito — seu prestígio era tal que o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que Marco Aurélio a assumisse tão logo completasse 35 anos. Foi também o prestígio paterno que guindou o pimpolho de Plínio ao TST, em Brasília, onde, anos mais tarde, o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria e cobriria com uma toga suprema.

Observação: Entrelaçam-se nesse caso parentela, compadrio e interesses corporativos, e o ex-presidente Collor merece citação especial. Seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho; seu pai, Arnon, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu desafeto no plenário do Senado, e matou com um tiro no peito o acreano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. Uma tragédia, mas também um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros.

Marco Aurélio, na brilhante definição do jornalista, poeta e escritor José Nêumanne Pinto, é um misto de Hidra de Lerna — com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar — com o deus romano Jano — retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás. No mítico Raso da Catarina do sertão de místicos e cangaceiros, Marco Aurélio surge como um misto do beato Antônio Conselheiro e do cabra Corisco, com o cajado da Constituição numa das mãos e o martelo de juiz outra, e se alia a Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso e Mello — e Toffoli, antes de este assumir a presidência do Tribunal — na soltura de presidiários de colarinho-branco. Mais do que contrariar a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância, o escrete togado sobrepõe, com sua arrogância, às decisões majoritárias do tribunal as próprias convicções ou seus interesses pessoais, sejam eles quais forem, corroborando, em última análise, o veredicto pouco lisonjeiro (sobre a mais alta instância judiciária) do especialista Joaquim Falcão, da FGV, de que não há um STF uno, mas um conjunto desarmonioso de 11 cabeças — daí a conjunção da Hidra de Lerna com o deus romano Jano.

Processo, para mim, não tem capa. Processo, para mim, tem unicamente conteúdo. Eu não concebo, tendo em conta minha formação jurídica, tendo em conta a minha experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, afirma o supremo togado, referindo-se ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Sua frase dá eco ao discurso dos arautos do profeta da Vila Euclides, segundo os quais Lula e outros presos sem que a condenação tenha transitado em julgado (coisa que no Brasil, onde há quatro instâncias e espaço para uma miríade de apelos, recursos, embargos e chicanas de todo tipo, só acontece no dia de São Nunca), são vítimas de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que controlam a polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.

Marco Aurélio, que sempre teve predileção especial por ser voto vencido, foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Se ainda lhe sobrar tempo — e você tiver estômago forte —, leia a entrevista que o nobre ministro concedeu dias atrás a BBC NEWS BRASIL.