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domingo, 19 de maio de 2019

VIVA A JUSTIÇA E VIVA O POVO BRASILEIRO!


Faz quatro meses e meio que Bolsonaro foi diplomado e empossado legitimamente como presidente de todos os brasileiros, com todas as prerrogativas e deveres do cargo. Não pode, agora, continuar agindo como se ainda estivesse no palanque falando para seus prosélitos e criticando seus adversários. Ao definir os manifestantes dos protestos contra cortes na educação como “idiotas úteis”, “massa de manobra” e “militantes” (ainda que com alguma razão), entrou numa briga de boteco sujo, quando deveria estar empenhado em tirar o Brasil da crise em que foi afundado pelo PT e cúmplices e satélites desse bando de meliantes que já estão fora do poder.

Não há como o capitão se queixar de que não sabia como a banda toca. O sistema de governo brasileiro obriga um campeão de votos diretos (ele) a lidar com um Legislativo de baixa representatividade (o sistema de voto proporcional brasileiro garante a desproporção), fracionado entre dezenas de partidos políticos – alguns semelhantes a quadrilhas – mas cheio de prerrogativas. Isso faz do presidente da Câmara uma espécie de primeiro ministro, até com pauta própria, enquanto o chefe do Executivo legisla por medida provisória.

Não há novidade nesse embate, nem mesmo o fato de o campeão de votos dar sinais contraditórios sobre como pretende enfrentar essa questão basilar da natureza do nosso sistema de governo. No entanto, por vezes o presidente acena com gestos políticos que são inerentes à necessidade de se entender com as forças dentro do Legislativo (eventualmente cedendo à pressão fisiológica por cargos); por outras, despreza a prática da articulação política – a começar pela condução da própria bancada –, qualificando-a como porcaria com a qual não quer se sujar. Na prática, ele não está fazendo nem uma coisa nem outra, e vai sendo implacavelmente encurralado por prazos de tempo sobre os quais não tem controle. Arrisca-se a ver perdida a reestruturação administrativa por conta de votação de MP mal conduzida na Câmara. Arrisca-se a ver a crise fiscal esmagar ainda mais o espaço para o Orçamento, enquanto já vai atrasado na aprovação de alguma reforma na Previdência. Arrisca-se a entregar de bandeja a adversários políticos uma narrativa política de impacto, como o contingenciamento das verbas da Educação.

No conjunto da obra, está sendo desmoralizado – ajudou a enfraquecer seu ministro mais popular, ao já nomeá-lo para o STF, e vai vendo o mundo legislativo e jurídico fazendo o mesmo gesto de atirar, só que desta vez contra seu predileto decreto de flexibilização do porte de armas. Chega a ser perverso constatar, nesse contexto, que o “fundo do poço” ao qual se referiu o ministro Paulo Guedes, ao falar da situação fiscal, não está convencendo deputados a aprovar o que o governo quer, mas, sim, dando a ideia a eles de que o governo não sabe o que fazer.

Observação: Um texto apócrifo divulgado pelo presidente na sexta (17) fala de pressões dos poderes e dificuldades de governar. A mensagem (cuja autoria é atribuída a Paulo Portinho, um analista da Comissão de Valores Mobiliários) foi interpretada no Congresso como mais um ataque do capitão ao que ele classifica de velha política, e por alguns analistas como um sinal de que uma renúncia está a caminho, sobretudo porque o país “está disfuncional” e até agora o presidente “não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou”. De fato, como bem observou um desembargador do TRF-2 a propósito de outro assunto, “se tem rabo de jacaré; couro de jacaré, boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco”. Ao convocar a sociedade para uma solução, Bolsonaro tenta manter ativas suas redes de apoio, após manifestações contrárias ao governo tomarem as ruas do País. Como resposta, aliados do capitão planejam uma marcha em apoio a ele, no dia 26. 

Não há dúvidas sobre a espúria motivação de nutrido grupo de parlamentares (a famosa área bandalha da Câmara) ao bloquear a reforma administrativa ou impor sucessivas derrotas ao governo. Ocorre que grande parte da relevância que esse chamado Centrão assumiu nas últimas quatro semanas é sobretudo o resultado de um vácuo político a partir da “base” de sustentação de Bolsonaro na Câmara. A constatação tem sido reiterada pelos próprios parlamentares governistas, não é “papo da mídia”.

Aos apoiadores, o presidente e seus filhos têm repetido que “não há jeito”, que uma maioria imbatível no Congresso se comporta “contra o Brasil”, que a área política “não se deixa moralizar” e que ele está sendo encurralado por parlamentares bandidos e mídia podre e adversa a: a) ceder ao fisiologismo e bandalha, acabando na cadeia, ou: b) a cometer um crime fiscal e ser “impichado”. Se abraçada até as últimas consequências, essa percepção que Bolsonaro aparentemente tem das causas das dificuldades em realizar os projetos que considera mais valiosos, e de aprovar reformas que admite serem necessárias, o levará a agir de forma contundente. Resta saber quem e quantos estarão no pelotão que irá atrás do capitão.

Mudando de pato para ganso, diz José Nêumanne – e eu não vejo como discordar – que um dos privilégios mais odientos gozados por personalidades da política e celebridades brasileiras é o gozo de privilégios quando estão privadas da liberdade. Três casos chamaram a atenção no noticiário da semana passada: a instalação em “salas de Estado Maior” dos ex-presidentes Lula, condenado e sem nenhuma sombra de dúvida criminoso, e Michel Temer, cumprindo prisão preventiva, ambos por crimes comuns de corrupção e lavagem de dinheiro, e a permanência do curandeiro João de Deus por cinco meses fora da cadeia, a pretexto de tratamento de saúde. A vida mansa na prisão ou no hospital desses criminosos é um escárnio à sociedade.

Na votação que soltou Temer por 4 votos a zero, o presidente da 6.ª Turma do STJ defendeu decisão afirmando: “Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos da nação. Deve conduzir o processo pela lei e a Constituição, com imparcialidade e somente ao final do processo, sopesando as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade.”

Observação: O STJ não inocentou o emedebista em nenhum dos 6 processos criminais a que ele responde e ainda o impediu de praticar várias atividades a que qualquer homem livre está habilitado. Da mesma forma, ao julgar o recurso de Lula no caso do tríplex a corte não absolveu o petista; apenas reduziu sua pena para algo próximo do que Moro havia estabelecido em julho de 2017. Mas tanto a soltura de Temer quanto a redução da pena de Lula foram, de certa forma, um tapa na cara do cidadão de bem desta banânia. Mas é inegável que o STJ deixou claro que seus ministros não cuidam de fazer justiça; limitam-se a decidir se devem cair na lábia jurídica de promotores que acusam ou de advogados que defendem.

Este, meus caros, é o país em que vivemos. Mais é prosa.

sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tournedos de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?

segunda-feira, 29 de abril de 2019

AINDA SOBRE O JULGAMENTO DO REsp DE LULA E A CONTROVÉRSIA SOBRE O CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Ao dar provimento parcial ao REsp de Lula, o STJ quebrou um paradigma, antecipou a possibilidade de progressão para o regime semiaberto e botou água na fervura do caldeirão do STF, que agora pode cozinhar em fogo brando a questão da prisão após condenação em segunda instância. De resto, quase nada mudou.

Por unanimidade — ou melhor, com os votos de quatro dos cinco integrantes da 5ª Turma, já que o ministro Joel Paciornik havia se declarado impedido e não participou do julgamento — a pena de Lula foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias, ficando mais próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (9 anos e 6 meses), mas que o TRF-4 aumentaria para 12 anos e 1 mês. Já a culpabilidade tachada do réu foi (mais uma vez) reconhecida, e o dito-cujo continua hospedado compulsoriamente em sua cela VIP — regalia que já nos custou inacreditáveis R$ 3,6 milhões.

Observação: Por quebra de paradigma, entenda-se a mudança do comportamento da Turma, que até então vinha mantendo a maioria das decisões do TRF-4 nos recursos oriundos de processos da Lava-Jato. De se estranhar a “mudança de entendimento” do ministro Felix Fisher, que no final do ano passado negou monocraticamente o mesmo recurso que agora acolheu parcialmente — diz O Antagonista que isso se deveu à pressão de togados supremos, e o fato de os demais ministros terem acompanhado o voto do relator, divergindo somente quanto aos dias-multa e a reparação de danos (cada dia-multa equivale a 5 salários-mínimos), leva a crer que a suspeita faz sentido.

Nem Lula, nem seus advogados, nem o PT, nem os cerca de 60 gatos pingados que participaram da chamada vigília Lula-Livre comemoraram o resultado, pois esperavam (ou desejavam) a anulação da condenação ou a remessa do processo para a Justiça Eleitoral. Aliás, para a choldra petista, que não veria provas contra o seu amado líder nem que elas lhes mordessem a bunda, a absolvição seria a única decisão justa e acertada. Só que não. O ex-presidente, nunca é demais lembrar, não é um preso político, mas um político preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No mais, não havia, mesmo, o que comemorar. Agora, são oito magistrados de três instâncias a chegar ao mesmo veredicto, o que aniquila a fantasia de que o petista é vítima de perseguição política e reduz a zero uma das últimas esperanças da defesa no processo do tríplex. Os advogados sabiam que a possibilidade de absolvição era considerada remotíssima e trabalharam ao longo de meses para conseguir pelo menos um voto favorável, visando abrir caminho para uma discussão no Supremo. Mas nem isso deu certo. A defesa levantou dezoito teses jurídicas para tentar anular a condenação, incluindo a suspeição do ex-juiz Moro e dos procuradores da Lava-Jato, uma suposta falta de provas, a prescrição do caso, o cerceamento de defesa e a dupla condenação pelo mesmo crime. Todas foram rejeitadas.

A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.

ObservaçãoTão logo o TRF-4 confirmar a sentença da juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o sítio em Atibaia, Lula deixará de ser réu primário, e a somatória das penas postergará a progressão para semiaberto. Isso sem falar nos outros processos a que ele responde (clique aqui para mais detalhes sobre as demais ações que tramitam contra ele na Justiça Federal do Paraná, do Distrito Federal e de São Paulo).

Após a condenação no STJ, uma eventual mudança na jurisprudência do Supremo sobre o cumprimento antecipado da pena após a condenação em segunda instância deixa de favorecer o criminoso. Esse assunto já deu no saco, mas não há como evitá-lo, até porque as três ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que se encontram sob relatoria do ministro Marco Aurélio, defensor atávico da prisão somente após o trânsito em julgado, deverão voltar à pauta do Supremo no segundo semestre. Mas é indiscutível que a decisão da última terça-feira contribuiu para reduzir a pressão. Além disso, é possível que o Congresso pacifique essa questão antes mesmo de a Corte julgar as tais ADCs, já que a aprovação de um projeto de lei dispondo sobre o tema faria com que elas perdessem o objeto — e evitariam um desgaste ainda maior do STF, que não tem como agradar simultaneamente as alas punitivista e garantista. 

Em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que os deputados devem votar a prisão após a condenação em segunda instância ainda em 2019. “Nós não temos por que, depois de agora a terceira instância ter decidido sobre o presidente Lula, a gente não precisa fugir desse debate mais, porque esse debate era um debate muito acalorado. Agora, eu acho que a razão vai prevalecer em um tema que a sociedade demanda do Parlamento, uma decisão definitiva sobre o assunto”, disse ele.

No Legislativo, o assunto tramita em formatos diferentes. O pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro é um projeto de lei, e as propostas do deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro-chefe da Casa Civil, e do deputado Alex Manente, do Cidadania de São Paulo, preveem a mesma mudança por PEC. Alguns deputados entendem que aprovar a prisão após a condenação em segunda depende de uma mudança na Constituição, mas Moro afirma ser possível implementá-la via projeto de lei, porque já há decisão do Supremo sobre a segunda instância. A conferir.

Muito já foi dito e repetido aqui no Blog sobre essa controvérsia, mas vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 a 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Em 2009, no frigir dos ovos do julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para saber mais sobre essa mixórdia, clique aqui).

Tudo somado e subtraído, nos últimos setenta anos — excetuando-se o período de 2009 a 2016 — os criminosos eram presos depois de condenados em primeira ou em segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de meliantes com cacife para contratar criminalistas renomados, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. Vale lembrar que a defesa de Luis Estevão apresentou nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos.

Curiosamente, Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. Sete meses depois, no entanto, o próprio Mendes passou a acolher os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese ora defendida por Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste vídeo).

Observação: A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Salvo melhor juízo, duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final.

Quando essa polêmica se instalou no Supremo, em 2016, as condenações envolvendo crimes do colarinho branco revelados pela Lava-Jato ficaram sob as luzes da ribalta, e o ator principal sempre foi Lula, ora condenado em terceira instância. A diminuição de sua sombra sobre esse debate enseja o enfrentamento da questão em todos os seus aspectos, quais sejam a solução da controvérsia jurídica, a gestão eficiente do sistema de Justiça e o fim de um impasse institucional que paralisa a suprema corte. Agora, porém, decida o STF manter a jurisprudência atual ou passar a admitira prisão somente após a condenação em terceira instância, nada mudará para o petralha.

É natural, portanto, que a recente decisão do STJ seja vista com preocupação pelos petistas. Mesmo com a determinação da defesa de recorrer da decisão, ficou ainda mais remota a chance de uma reversão da pena, seja no próprio STJ, seja no STF. Confirmou-se, pois, o pior cenário para os petistas: depois de ser condenado por Moro, depois pelo TRF-4 e agora pelo STJ, “narrativa do PT” de que Lula é um perseguido político da Justiça no Brasil, que queria impedir a candidatura dele em 2018, já não se sustenta (se é que um dia se sustentou). Como no TRF-4, o ex-presidente foi condenado na terceira instância por unanimidade, e os ministros também rejeitaram alegações de falta de provas e de que a defesa teria sido cerceada. Como já foi dito, a progressão para o regime semiaberto ainda neste ano periclita ante a possibilidade de futuras condenações — Lula responde a outro seis processos na Justiça Federal do Paraná, Brasília e São Paulo —, sobretudo se o TRF-4 ratificar sua condenação no caso do sítio em Atibaia.

E Lula lá!

sábado, 27 de abril de 2019

BOLSONARO ASSINA DECRETO QUE EXTINGUE O HORÁRIO DE VERÃO


O tema em pauta prece irrelevante diante de assuntos mais palpitantes, como a reforma da Previdência — aprovada aos trancos e barrancos na CCJ da Câmara, a despeito da obstrução desbragada feita pela oposição desavergonhada, que vai muito além dos limites do decoro parlamentar e visa pura e simplesmente desestabilizar ainda mais o país.

Observação: A esquerda nem precisaria se empenhar tanto em obstruir a votação da reforma da Previdência. O próprio Bolsonaro, que, em tese, depois do Brasil como um todo, é o maior interessado na aprovação dessa PEC, parece ser incapaz de manter a imensa boca fechada. Useiro e vezeiro em dizer o que não deve nos momentos mais impróprios, o capitão parlapatão voltou à carga na última quinta-feira, quando, durante um café da manhã com jornalistas, verbalizou que o "o governo se daria por satisfeito com um alívio fiscal de R$ 800 milhões em 10 anos". Na descrição de um dos auxiliares do ministro Paulo Guedes, a reação dos técnicos oscilou entre a decepção e a irritação. "O presidente atirou contra a reforma", resumiu um deles. "Sentimos esse tiro como se ele tivesse perfurado o nosso próprio pé."

Também ocuparam espaço significativo nos meios de comunicação o julgamento do REsp de Lula no STJ — que alguns comemoraram como uma vitória do petista — e os desdobramentos da censura ressuscitada por membros da nossa corte maior, mas essas questões já foram abordadas aqui no Blog e minha paciência para escrever sobre eles há muito se esgotou (são situações como essas que me levam não a ter vergonha de ser brasileiro, mas a ter nojo).

Observação: Sobre as possíveis consequências da decisão da 8ª Turma do STJ sobre a condenação do criminoso mais famoso desta banânia, clique aqui para assistir a um vídeo que sintetiza de forma didática toda e essa merdeira.  

Mudando de pato pra ganso, muitos ficarão felizes com a notícia, outros, nem tanto, mas o fato é que, depois de aventar, no início de abril, a possibilidade de acabar com o horário de verão, Bolsonaro finalmente assinou o decreto, sepultando um anacronismo que nos persegue desde 1931, mas que, devido a mudanças no comportamento da população, há muito que não enseja uma economia de energia elétrica suficiente para justificar sua adoção.

Nosso relógio biológico ajusta os horários em que sentimos fome, em que vamos ao banheiro e em que nos deitamos para dormir. Ao adiantar o relógio, mesmo que em apenas uma hora, algumas pessoas podem sentir dificuldade para pegar no sono, ficar mais cansadas, irritadas e apresentar alterações do humor — sobretudo aquelas designadas como matutinas ou vespertinas.

Os especialistas também não são unânimes acerca da questão, mas a maioria reconhece que parte da pressão por reduzir o consumo energético entre o final da tarde e o início da noite foi reduzida com a substituição das lâmpadas incandescentes por modelos fluorescentes. Aliás, o ex-presidente Temer chegou a cogitar de descontinuar o horário de verão, mas, em meio à tensão de um momento em que tentava barrar denúncias contra si por atos, digamos, pouco republicanos, achou por bem reordenar suas prioridades.

Desde 2014 o Brasil oscila entre estagnação, recessão e lentíssima retomada, ou seja, a demanda por energia extra ficou extremamente reduzida, mas isso pode mudar se e quando a economia voltar a crescer. A ver.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

AINDA SOB A REDUÇÃO DA PENA DE LULA, A ALMA VIVA MAIS HONESTA DESTA GALÁXIA



Ao injetar no drama criminal de Lula a perspectiva de migrar da sala VIP de 15 m² para a antessala da prisão domiciliar, o STJ colocou o ex-presidente numa espécie de trilha para o céu. Mas criminalistas companheiros acreditam que o petralha será abatido em seu voo de galinha e devidamente recolocado no caminho do inferno pelo TRF da 4.ª Região: se não houver novas surpresas, a 8.ª Turma ratificará a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza Gabriela Hardt ao petralha antes que ele possa reivindicar a progressão de regime, pois a nova pena será somada à do tríplex, ora reduzida para 8 anos e 10 meses, perfazendo o total de 21 anos e 9 meses.

Observação: Mesmo se a decisão sair depois de setembro e Lula estiver no semiaberto ou arrastando uma tornozeleira em casa, ele voltará para o regime fechado: ainda que se desconte o tempo de prisão já cumprido, o gatuno só atingiria a marca de um sexto da pena no alvorecer de 2022.

O TRF-4 não costuma dormir no ponto; no caso do tríplex, os desembargadores levaram seis meses e 12 dias para confirmar a sentença do então juiz Sergio Moro. É certo que os autos do processo sobre o sítio, que foi julgado em fevereiro, ainda não subiram (devido a chicanas protelatórias que não vem ao caso detalhar neste momento), mas isso não muda o fato de que a fronteira entre o céu e o inferno, para Lula, passou a ser demarcada pela capacidade de sua defesa atrasar o relógio dos desembargadores da 8.ª Turma.

Além dos dois processos em que já foi condenado, Lula responde a outros seis — pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa —, cujas penas máximas podem somar 134 anos de prisão. Pelo andar da carruagem, o próximo a ser julgado (também pela 13ª Vara Federal do Paraná, agora sob o comando do juiz Luiz Antonio Bonat) é o que trata da cobertura em São Bernardo do Campo e do terreno em São Paulo onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula (os autos estão conclusos para sentença desde novembro de 2018).

Outros quatro processos tramitam na Justiça Federal do DF; um foi aberto a partir da Operação Janus, dois derivam da Operação Zelotes e um baixou do STF para a primeira instância. Há ainda uma ação penal aberta na JF de São Paulo e outra em que o molusco foi absolvido de tentar obstruir a Justiça por meio da compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

A redução de pena obtida na última terça-feira está longe de atender aos desejos da defesa — que postulava a anulação da condenação —, mas não deixa de ser uma vitória técnica importante, pois até então nenhum recurso apresentado havia vingado. Desta feita, depois de ser devidamente industriada por alguns ministros supremos garantistas (capitaneados por Gilmar Mendes, o infalível), a 5.ª Turma do STJ “entendeu” que o TRF-4 exagerou, e estabeleceu uma uma pena ainda menor do que a definida no primeiro grau pelo juiz Sergio Moro.

Por outro lado, a despeito de o nobre advogado Cristiano Zanin e distintíssima companhia tentarem surfar na onda da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que manda para a Justiça Eleitoral os casos em que um réu sem foro privilegiado é acusado de crimes conexos aos de natureza eleitoral, o argumento não colou.

Agora que Lula foi condenado em terceira instância, que efeitos uma possível mudança na jurisprudência do STF sobre o cumprimento antecipado da pena teria sobre ele? Essa é uma questão de alta indagação jurídica e que divide opiniões, até porque a hermenêutica tupiniquim é extremamente criativa.

Para alguns palpiteiros de plantão, o sacripanta vermelho só perderia o direito à progressão de regime quando e se a segunda condenação (no processo do sítio) for confirmada tanto pelo TRF-4 quanto pelo STJ, pois aí a Vara de Execuções Penais fará a unificação das penas, aumentando o tempo necessário para que ele obtenha o benefício em questão. A prevalecer essa tese, mesmo tendo sido condenado em terceira instância na última terça-feira, ele poderia pleitear o regime semiaberto em setembro, quando terá cumprido já 1/6 da pena nos moldes definidos pelo STJ.

Seja como for, se Lula conseguir se virar em dinheiro para continuar bancando honorários caríssimos e outras despesas atinentes a sua defesa, seus advogados certamente insistirão na tese da prescrição do crime de corrupção passiva (que agora foi rejeitada também pelo STJ). Outra possibilidade é a prisão domiciliar, caso o STF entenda que, por ter mais de 70 anos, o paciente faz jus a esse tratamento. Essa alternativa foi cogitada pelo ex-ministro supremo Sepúlveda Pertence, que integrou a defesa de Lula durante algum tempo, mas não foi adiante por decisão do próprio Lula, que rejeita o uso de tornozeleira eletrônica. Mas melhor seria acorrentá-lo a uma bola de ferro e colocá-lo numa instituição penal agrícola, já que mantê na sala VIP da PF em Curitiba já custou aos cofres públicos nada menos que R$ 3,6 milhões.

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 33 do Código Penal, modificado por uma lei sancionada pelo próprio Lula, “o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais”. No julgamento desta terça-feira, o STJ reduziu também o montante devido da reparação de R$ 16 milhões para R$ 2,4 milhões, valor que ainda precisa ser corrigido (e pago, caso Lula venha a pleitear a progressão para o regime semiaberto em setembro).

Outra possibilidade aventada por alguns especialistas ainda mais criativos é a defesa invocar o artigo 387, parágrafo 2.º, do CPP para tentar pleitear o regime semiaberto imediatamente. De acordo com esse dispositivo, “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”. Se a tese for aceita, a pena calculada pelo STJ poderá ser diminuída pelo tempo que o prisioneiro já passou na cadeia, o que resultaria em um montante de cerca de 7 anos e 9 meses, abrindo a possibilidade de progressão.

Tudo somado e subtraído, fica nítido que os ventos mudaram. Desde que Lula foi preso, seus advogados não logaram uma única decisão favorável até a última terça-feira, a despeito de terem recorrido mais de 200 vezes no processo do tríplex (aí considerados apelos, embargos, pedidos de habeas corpus e chicanas de toda sorte). Pode até ser uma vitória de Pirro, mas nem por isso deixa de causar preocupação.

Volto a esse assunto com mais detalhes na postagem de amanhã ou na seguinte. Nesse entretempo, torçamos para que Lula leve em conta a opinião de Tarso Genro, para quem "todo alvo de investigações sobre casos de corrupção deve entender que dar um tiro na cabeça é prova de altivez". 

Observação: Não sou fã do ex-ministro de Lula, até porque minha opinião sobre o PT e os devotos dessa seita infernal é a pior possível (se você acha exagero, veja como como essa patuleia de merda vem agindo para obstruir a votação da PEC previdenciária). Por outro lado, considerando a montoeira de asnices que enfeitam o currículo desse sujeito, essa opinião distorcida, se inspirasse o molusco nove-dedos, até que faria algum sentido.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

MINISTRO SUPREMO COM VOCAÇÃO PARA CENSOR — ESCRITO NAS ESTRELAS?



5ª Turma do STJ iniciou o julgamento do REsp de Lula pouco depois das 14 h de ontem. O primeiro a votar foi o ministro Felix Fisher, relator do processo, que já havia rejeitado o recurso monocraticamente, mas desta vez votou favoravelmente à redução da pena para 8 anos 10 meses e 20 dias de prisão, no que foi acompanhado pelos ministros Jorge Mussi Reynaldo Soares Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

Pelo Código PenalLula pode pedir progressão da pena para o regime domiciliar ou semiaberto após cumprir 1/6 da sentença — o que se dará em setembro próximo. Todavia, se a condenação a 12 anos e 11 meses referente ao sítio de Atibaia for ratificada pelo TRF-4 (e é isso que se espera), o pulha continuará preso em regime fechado. Demais disso, uma vez condenado no STJ, o petralha não será beneficiado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre a condenação em 2ª instância e vincular o início do cumprimento provisório da pena à condenação em terceira instância

Resumo da ópera: Lula ganhou na foice, mas perdeu no machado.


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Com a tentativa de amordaçar a revista Crusoé e o site O Antagonista, o ministro censor Alexandre de Moraes — escolhido para relatar o inquérito bizarro aberto de ofício por Dias Toffoli para investigar supostas ofensas, ameaças e fake news envolvendo o STF e seus supremos membros — não só atropelou a Constituição e cuspiu na liberdade de expressão como deu um tiro no pé, como se costuma dizer, pois chamou a atenção do Brasil inteiro (e de parte da imprensa internacional) para aquilo que que o presidente supremo queria manter longe dos holofotes.

Em 2007, o príncipe das empreiteiras, Marcelo Odebrecht, interessado em ampliar a fortuna com a construção de hidrelétricas no Rio Madeira, referia-se a José Antonio Dias Toffoli, então chefe da Advocacia Geral da União, como “Amigo do Amigo de meu pai”. Como descobriu a Lava-Jato, o amigo do pai era Lula. Se as negociações fossem, digamos, republicanas, por que usar essa linguagem cifrada? Por que não identificar o atual presidente do Supremo apenas como chefe da AGU?

Aos 50 anos, Alexandre de Moraes esqueceu que o surgimento da internet tornou impossível ocultar a verdade com métodos semelhantes aos usados enquanto vigorou o Ato Institucional número 5 — durante a ditadura militar que agora sabemos nunca ter existido. Antes da era digital, a presença de censores nas redações e a apreensão de edições inteiras impediam que chegassem aos leitores informações ou opiniões consideradas inconvenientes pelo regime militar. Hoje as coisas ficaram mais complicadas. O que a Crusoé teve de ocultar foi escancarado pela imensa vitrine formada pelas redes sociais. 

O ministro censor nasceu em 13 de dezembro de 1968, dia em que foram consumados os trabalhos de parto do AI-5. Enquanto o bebê Alexandre berrava no berçário, o Brasil democrático chorava o assassinato da liberdade de expressão. Se nome é destino, como acreditam tantos, Alexandre de Moraes reforçou a suspeita de que data de nascimento também pode ser. Ele nasceu junto com a censura. Talvez tenham nascido um para o outro.

Com Augusto Nunes

sábado, 20 de abril de 2019

O JULGAMENTO DE LULA NO STJ E O STF E A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA.



Alan Garcia, que governou o Peru entre 1985 e 1990 e novamente de 2006 a 2011, ao saber que seria preso temporariamente por conta de investigação sobre propinas recebidas Odebrecht, preferiu antecipar sua entrevista com o diabo dando um tiro na própria cabeça. Garcia era um dos quatro ex-presidentes peruanos investigados por relações espúrias com a empreiteira-corruptora brasileira — que, dentre outros inestimáveis serviços prestados ao Brasil, incluiu a corrupção no portfólio de itens exportados por nosso país.  É lamentável que próceres da política tupiniquim, igualmente enrolados com a Justiça — sobretudo aqueles que foram diretamente responsáveis pelo empoderamento do cartel de empresa capitaneado pela Odebrecht —, não se espelhem no político peruano e continuem insistindo ad nauseam no seu pseudo vitimismo e soterrando os tribunais com suas chicanas jurídicas.

Falando na Justiça brasileira, nosso país é o 105º colocado no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. O resultado anunciado na última quinta-feira 18 é pior do que o de 2018, quando esta banânia ocupava a 102ª colocação. E ainda sobre o “cala boca já morreu, mas ressuscitou por obra e graça de dois ministros supremos”, Marco Aurélio Mello classificou de “mordaça" a decisão do colega Alexandre de Moraes, que determinou a retirada do ar de reportagens publicadas pela revista Crusoé e pelo site O Antagonista, que fazia referência a uma citação ao nome do presidente do STF em delação da Odebrecht. Confesso que não sou fã incondicional de Marco Aurélio, mas concordo com ele quando diz que “vivemos tempos estranhos”.

Mudando de um ponto a outro, pelo evangelho segundo Cármen Lucia, rediscutir o cumprimento da pena após condenação em segunda instância à luz da prisão de Lula seria “apequenar o Supremo”. Fiel a suas convicções, a ministra deixou a presidência da Corte, em setembro do ano passado, sem ter pautado o julgamento das furibundas ADC 43, do PENADC 44 , da OAB, e ADC 54, do PCdoB. Seu sucessor no cargo, ministro Dias Toffoli, incluiu, em dezembro, as tais ações na pauta do dia 10 de abril de 2019, acreditando que até lá o STJ teria julgado o REsp de Lula no caso do tríplex e, portanto, a polêmica do cumprimento da pena após condenação em segunda instância ficaria menos explosiva, facilitando o acolhimento de sua "proposta conciliatória" — de autorizar a prisão somente após o STJ (terceira instância) ratificar a condenação. Com isso, o STF evoluiria para uma posição mais “garantista”, como reclama a nata dos criminalistas, e Lula, com punição confirmada pelo STJ, continuaria preso. Mas faltou "combinar com os russos".

ObservaçãoReza a lenda que na copa de 58, o técnico Feola bolou um esquema infalível contra a seleção soviética: Nilton Santos lançaria a bola pela esquerda para Garrincha, que driblaria 3 russos e cruzaria para Mazzola marcar de cabeça. Depois de ouvir tudo atentamente Garrincha perguntou: "tá legal, seu Feola, mas o senhor combinou com os russos?".

Mesmo depois que as ADCs foram pautadas, seu relator surpreendeu a todos com uma liminar funambulesca publicada minutos após o início do recesso de final de ano do Judiciário — liminar essa que, se Toffoli não tivesse cassado prontamente, resultaria na libertação de Lula e de outros 169 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos pelas instâncias superiores. Enfim, o ano virou, janeiro terminou, março sucedeu a fevereiro e o STJ ainda não julgou o REsp de Lula.

Para evitar que seu plano fosse a pique, Toffoli, “atendendo a uma solicitação da OAB”, retirou de pauta as ADCs e adiou sine die seu julgamento — que só deve acontecer no segundo semestre, a não ser que Marco Aurélio leve o tema em mesa (ou seja, coloque a questão em discussão durante uma sessão plenária, ainda que ela não tenha sido incluída na pauta). Se o presidente supremo empurrou a discussão com a barriga por receio de que a jurisprudência fosse mantida — contrariando os interesses da ala garantista e os advogados criminalistas —, ou se o fez por achar que uma eventual mudança pudesse inflamar as ruas, essa é uma questão que divide opiniões. Mas é consenso que, sem uma definição sobre a polêmica, os ministros garantistas seguirão forçando a rediscussão da antecipação da pena com decisões monocráticas que colidem com a jurisprudência colegiada (e o mesmo se aplica à segunda turma, com Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso de Mello emparedando os colegas Edson Fachin e Cármen Lúcia).

Segundo Veja, um emissário de Toffoli procurou a OAB no final de março para sondar se a entidade concordaria em adiar a análise das ADCs. A OAB concordou, e assim foi feito. Na avaliação do ministro supremo Luís Roberto Barroso — que também integra o TSE —, o STF pode perder sua legitimidade e provocar “uma crise institucional” caso não consiga “corresponder aos sentimentos da sociedade”. Na sua avaliação, não faz o menor sentido mudar a jurisprudência se o Supremo reforma apenas 0,4% das decisões dos tribunais inferiores e o STJ, 1,2% dos casos.

Observação: Para Barroso, existe um certo ressentimento da elite do País contra a Lava-Jato, pois todo mundo tem algum conhecido envolvido. "Ninguém se arrepende de coisa alguma, todos dizem que estão sendo perseguidos, que são vítimas de uma conspiração, mesmo quando são fotografados ou  filmados." Luiz Fux, que acumula a função de ministro supremo e vice-presidente do TSE, não só segue a mesma cartilha como vai mais além, defendendo um mandato de 10 anos para os membros da nossa mais alta corte, e afirmando que “os juízes eleitorais não têm a menor condição de apurar esses crimes comuns, como corrupção etc." (confira a entrevista que o ministro concedeu a Andreia Sadi no “Em Foco” do último dia 10).
  
Além de questionar a prisão em segunda instância, a defesa de Lula quer que o STJ mande o caso do triplex para a Justiça Eleitoral. O recurso já foi negado monocraticamente pelo relator, ministro do STJ Felix Fisher, uma vez que o reexame de matéria fática (provas) se encerra na segunda instância. Nos bastidores, os advogados do petista buscam convencer o STJ a derrubar a punição por lavagem de dinheiro. Caso isso aconteça, mesmo que a condenação por corrupção passiva seja mantida, a pena seria reduzida para cerca de oito anos, e em breve o paciente poderia passar a cumpri-la no regime semiaberto ou em prisão domiciliar. Nos corredores do tribunal, a proposta é considerada uma solução salomônica entre as pressões feitas por defensores e opositores do ex-presidente — que, em tese, não deveriam interferir no processo, mas, na prática, têm guiado as decisões, dentro e fora dos autos.

Também como eu mencionei anteriormente, a ausência do ministro Marcelo Ribeiro Dantas na sessão da última quinta-feira no STJ fez com que o julgamento do REsp de Lula pela 5ª Turma ficasse para depois da Páscoa (mais detalhes nesta postagem). No último dia 12, o MPF em Brasília reforçou a denúncia por corrupção passiva apresentada no ano passado pela PGR contra Lula e os ex-ministros Paulo Bernardo e Antônio Palocci. O inquérito foi aberto inicialmente no STF porque, além dos três, a então senadora e ora deputada e presidente nacional do PTGleisi Hoffmann, também foi denunciada. O ministro Fachin decidiu fatiar o inquérito e enviar à primeira instância as menções a pessoas sem direito ao foro nefasto foro privilegiado, e se a denúncia for aceita, o ex-presidente corrupto se tornará réu mais uma vez.

Deu no Antagonista: A crise atual nem começou direito e a próxima estação desse funesto trem fantasma já está à vista: a discussão sobre a libertação de Lula pela 2ª Turma do STF. Segundo o site, está em formação uma maioria em favor do ex-presidente, o que alteraria todo o entendimento das coisas até aqui. A turma deve se reunir presencialmente em breve, a pedido de Gilmar Mendes, que não esconde o desconforto com a prisão do petista. Dois governadores contam que receberam a mesma avaliação de membros da cúpula das Forças Armadas: a exemplo do já histórico tuíte do general Villas Bôas em 2018, os militares não estão dispostos a bancar sem alertas antecipados o controle da balbúrdia social que creem ser inevitável no caso de soltura de Lula que tenha cheiro de casuísmo. A conferir.   

Em tempo: Os advogados de Lula afirmam que, desde o bloqueio das contas e dos bens do ex-presidente, decretado pelo ex-juiz Sérgio Moro no início de 2018, falta dinheiro para custear deslocamentos e até para contratar pareceristas. A página na internet que o escritório mantinha para divulgar as posições da defesa sobre os andamentos da Lava-Jato também saiu do ar, pois, sem verba, o contrato com a equipe que cuidava do site foi rescindido. Segundo Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, o petista já gastou cerca de R$ 5 milhões em sua defesa. E vai passar a Páscoa na cadeia.

domingo, 14 de abril de 2019

LULA ESTÁ PRESO PORQUE É LADRÃO



Lula acaba de completar seu primeiro aniversário na cadeia sem que tenha sido possível perceber, ainda dessa vez, a revolução que as massas fariam para tirá-lo de lá. É verdade que estão trabalhando o tempo todo para soltar o ex-presidente, nos tribunais superiores, nos escritórios de advocacia especializados em defender ladrões do erário e nas alturas da classe “civilizada”, tal como ela existe neste país. Mas a coisa está mais complicada do que garantiam um ano atrás os doutores em análise política — segundo eles, Lula ia ficar não mais que umas 24 ou 48 horas preso, se tanto, pois “o Brasil não aguentaria” o cataclismo de sua entrada no sistema penitenciário.

O Brasil aguentou perfeitamente, como se viu até agora; ninguém está sentindo falta do homem descrito como o “mais importante” da história política do Brasil. Por que será que ficou assim? Talvez porque não se tenha conseguido, até o momento, colocar de pé três argumentos sérios para justificar a sua soltura. Dois argumentos, então? Também não se encontra. Um, pelo menos? Pois é: nem um. Daí a dificuldade de tirar Lula do xadrez – ninguém consegue dar um motivo minimamente razoável para isso.

O que existe, na verdade, é a velha contrafação de sempre — Lula deveria ser solto, segundo afirma o seu sistema de apoio, porque vai ser “bom para o país”. Só por causa disso? Sim, só por causa disso; não se julga necessário dar nenhuma outra razão. Não há surpresa alguma, aí. O Brasil já se acostumou, há anos, a ver os grandes cérebros da nossa política transformarem os interesses particulares do ex-presidente em necessidade nacional — se isso ou aquilo diz respeito a Lula, acham eles, então tem de dizer respeito a todos. Mas, no caso, Lula não está preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar o Brasil para cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão, segundo resolveu o único organismo que pode resolver se ele é ladrão ou não é — a justiça brasileira.

Não é uma opinião. Quem diz que Lula é ladrão são os autos — as testemunhas, a exibição de fatos e as provas apresentadas. Mais que tudo, ele foi condenado num processo impecável do ponto de vista legal; seria difícil encontrar algum outro caso na história da justiça penal brasileira em que as exigências da lei para punir alguém tenham sido obedecidas com tantos extremos de cuidado. Seu direito de defesa foi exercido na mais absoluta plenitude; não lhe foi negado rigorosamente nada, no incomparável arsenal de facilidades que a justiça brasileira oferece a réus que têm milhões para gastar com advogados. Ninguém sabe ao certo o número de recursos, apelos, habeas corpus, mandados de segurança, agravos, embargos, etc. que o réu socou em cima da justiça para se defender. Passaram de 100, possivelmente, e tudo o que ele achou errado foi considerado certo pelas instâncias superiores. Fazer o que, então?

Há uma vaga ideia, na elite iluminada, de que a culpa de Lula não está suficientemente demonstrada. Mas muita gente acha que está. E aí: quem resolve? Com certeza não é torcida do Corinthians, nem o Datafolha. É a justiça, e ela já resolveu. Nossa justiça é ruim? É horrível. O presidente do STF levou bomba duas vezes seguidas no concurso para a magistratura; não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos, mas pode ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. É preciso dizer mais alguma coisa? Mas essa justiça, do jeito que está, é a única disponível no Brasil de hoje — não dá para entregar o julgamento de Lula ao judiciário da Holanda, não é? Além disso, o Complexo Pró-Lula não apenas acha que ele é inocente até prova em contrário, ou até a sua sentença “transitar em julgado”, daqui a mais uma dúzia de sentenças. Acha que Lula é inocente enquanto negar que é culpado; só pode ser punido se um dia confessar seus crimes.

Ninguém reclama, ao mesmo tempo, que estejam presos Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e tantos outros. Será que é porque roubaram mais? Ou porque sua prisão “não faz mal ao Brasil”? Jamais se menciona, também, que ex-presidentes presos não prejudicam a “imagem internacional” de país nenhum. Rafael Videla, da Argentina, morreu na cadeia. Park Geun hye, da Coréia, está cumprindo pena de 24 anos de prisão por corrupção. Alberto Fujimori, do Peru, aos 80 anos de idade, acaba de voltar ao xadrez para cumprir o restante da sua pena de 25 anos de prisão por ladroagem, após ter sido liberado por três meses para tratamento de um câncer. Por que teria de ser diferente com Lula?

Texto de J.R. Guzzo

quarta-feira, 10 de abril de 2019

LAVA-JATO, STF, STJ, CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE




Em 2009, uma operação destinada a investigar o então deputado federal José Janene e os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater ganhou o codinome “Lava-Jato” (talvez porque a casa de câmbio dos doleiros era contígua a um posto de combustíveis onde funcionava também um lava-rápido), mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em 17 de março de 2014, quando foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva em 17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal. Aliás, o longa Polícia Federal — A Lei é para todos retrata bem o início da operação, embora a série O Mecanismo — cuja segunda temporada deve ser lançada do final do mês que vem — seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar os nomes dos envolvidos (inclusive da própria Polícia Federal, que na série se chama Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins, dando origem à primeira “Lista de Janot”). Mais adiante seriam abertos outros 180 inquéritos — entre casos do Petrolão e suas ramificações em outras estatais e órgãos da administração pública. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht foi o pivô do maior e mais bem organizado esquema de corrupção em toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional). Marcelo Odebrecht foi condenado a 47 anos de prisão; Emílio, seu pai, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, eles fecharam um acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização. Atualmente, pai e filho, que não se entendiam antes do episódio e agora sequer se falam, cumprem prisão domiciliar; o patriarca, em Salvador, e o Marcelo, num condomínio em Sampa.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipse, o mundo só acabou para Zavascki, que foi vítima de um acidente aéreo às vésperas de homologar a megadelação. Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e Edson Fachin assumiu o lugar do falecido na relatoria dos processos da Lava-Jato na corte. Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e poucos meses mais tarde a magnitude da delação da Odebrecht foi ofuscada pelas revelações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além de Ricardo Saud e outros 4 altos executivos da JBS.

ObservaçãoJoesley Batista, preso em setembro de 2017 por omitir informações na sua delação, foi solto seis meses depois e aguarda recluso (cercado de uma dúzia de seguranças e, ainda assim, com medo de possíveis retaliações dos delatados) a decisão o STF sobre a imunidade que obteve com seu acordo de colaboração. Apesar dos pesares, de lá para cá o patrimônio dos irmãos Batista cresceu R$ 2,5 bilhões, o que lhes assegura uma posição de destaque entre os 50 brasileiros mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. 

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização resultaram na prisão da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” e levaram o sucessor da calamidade em forma de gente a passar 5 dias preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro (Temer e seus cupinchas foram soltos por uma liminar concedida monocraticamente por um desembargador que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”, mas o MPF recorreu da decisão.

Segundo um levantamento feito pelo site JOTA, dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país, cerca de 30% foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial. Isso não quer dizer que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continua em tramitação, mas, de seis réus nas duas únicas ações penais já julgadas, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois condenados terão, de fato, de ir para a prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos são baseados no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos são corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou simultaneamente, por falta de elementos, o arquivamento de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não chegaram a formalizar uma investigação, não foram incluídos no levantamento do JOTA, mas todos os envolvidos acabaram virando protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Apenas duas ações penais da Lava-Jato foram julgadas até hoje no Supremo. Uma delas é a que investigou a deputada federal e presidente do PTGleisi Hoffmann, e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A ação começou a tramitar como inquérito e foi autuada no dia 9 de março de 2015; em 19 de junho de 2016, os réus acabaram absolvidos (por 3 votos a 2, prevaleceu o entendimento de que os elementos contra a então senadora eram “apenas indiciais”, sem comprovação efetiva). Mesmo no caso do primeiro parlamentar a ser condenado no âmbito da Lava-Jato, o deputado federal Nelson Meurer, os ministros declararam a extinção de punibilidade de Cristiano Augusto Meurer, filho do parlamentar, por prescrição (eles entenderam que a única conduta que geraria a sanção penal seria de junho de 2008, portanto, e que, no caso, o Estado já não teria mais direito de puni-lo). Meurer pai foi condenado a 13 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, enquanto seu outro filho, Nelson Meurer Júnior, a 4 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por corrupção passiva. A expectativa é que o deputado comece a cumprir a pena ainda no primeiro semestre. 

ObservaçãoAinda tramitam no Supremo outras oito ações penais, enquanto outras 11 denúncias aguardam julgamento e outros 75 inquéritos estão em regular tramitação (esses números podem mudar conforme as ações relacionadas de alguma maneira com caixa 2 forem encaminhadas para a Justiça Eleitoral).

Depois que o Legislativo deixou de ser confiável — dado o número significativo de deputados e senadores enrolados na Justiça, mas que continuam transitando livremente pelos corredores do Congresso — o Judiciário se tornou o último bastião dos brasileiros que não aguentam mais tanta corrupção na política — tem até parlamentar em prisão domiciliar, que dá expediente na Câmara e passa a noite na cadeia. Do Executivo, então, é melhor nem falar. FHC é o único ex-presidente eleito na “nova república” que não corre o risco de ser preso no médio prazo. No último domingo, Lula, o pseudo pai dos pobres, completou um ano de encarceramento numa sala VIP da PF em Curitiba; Sarney já foi denunciado duas vezes no âmbito da Lava-Jato (mas até agora não foi julgado); Collor responde a sete inquéritos no STF (graças ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano, ele ainda é senador) e é réu num deles desde agosto de 2017; Dilma se tornou ré no final do ano passado (acusada de corrupção e lavagem de dinheiro por ter se beneficiado, junto com outros integrantes da cúpula do PT, de até R$ 1,4 bilhão em propinas em troca de contratos com empresas envolvidas na Lava-Jato), e seu vice e digníssimo sucessor é tetra réu (duas vezes no Rio, uma em São Paulo e outra no DF) e corre o risco de ter sua soltura revogada a qualquer momento.     

Gilmar Mendes é o ministro supremo com mais pedidos de impeachment. Integrante e líder da ala “garantista” — da qual fazem parte Ricardo LewandowskiDias ToffoliMarco Aurélio Mello e Celso de Mello —, o magistrado mato-grossense é useiro e vezeiro em mandar às favas a jurisprudência e mandar soltar monocraticamente os presos da força-tarefa. Curiosamente, Mendes era defensor ferrenho da prisão após condenação em segunda instância, mas virou a casaca em algum momento e agora busca amealhar votos para reverter o entendimento da Corte. Diz-se que ele vem pressionando desembargadores do STJ para rever as condenações da Lava-Jato, em vez de simplesmente homologar as decisões das instâncias inferiores. Aliás, o ex-presidente José Sarney — denunciado duas vezes por suposto recebimento de propina em contratos superfaturados da Petrobras e da Transpetro, mas que até agora não foi julgado —, também vem pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar em favor da defesa no julgamento do recurso especial do chumbrega de Garanhuns. Tutti buona gente!

Na semana passada, por alguma razão que para mim não ficou bem clara, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, despautou as ADCs que iriam a julgamento na sessão plenária de hoje. Talvez agora o STJ finalmente se digne de apreciar o recurso especial de Lula, encerrando de vez o caso do tríplex no âmbito da terceira instância. Em sendo mantida a condenação, uma eventual mudança no entendimento da jurisprudência da corte deixaria de favorecer o petralha. Isso porque, caso a prisão após condenação em segunda instância não seja mantida, a expectativa é de que prevaleça a “proposta conciliadora” do próprio Toffoli, qual seja a da prisão após a decisão em terceira instância (e não somente no final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória — o que no Brasil é o “dia de S. Nunca” para criminosos que têm cacife para contratar advogados estrelados).

Durma-se com um barulho desses!