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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

MAIS DO MESMO E O SÓSIA DO CAPITÃO CAVERNA




Para quem está de saco cheio das parvoíces bolsonaristas, talvez sirva de consolo imaginar como estaria o Brasil se o bonifrate da autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil tivesse derrotado o capitão caverna, e não o contrário. Só que isso não muda o fato de este governo ser uma usina de crises e seu comandante em chefe, PhD em descumprir promessas de campanha e priorizar o que convém a si e a sua prole.

Falando em prole, se você atribui grande parte dos problemas nacionais às estultices dos "príncipes herdeiros", prepare-se: Jair Renan Bolsonaro, de 21 anos, foi eleito para a direção nacional do novo partido do presidente — será membro com direito a voto. Bolsokid, como se apresenta o zero quatro, estuda análise de sistemas em Brasília, joga videogame, especialmente o League of Legends, frequenta festas badaladas e alimenta suas redes sociais, embora não com a mesma voracidade dos irmãos mais velhos. Com o pai, Renan compareceu a alguns eventos, como a reunião do Mercosul na Argentina, em julho, quando foi apresentado como “embaixador mirim”. É mole?

Mas não é só. Paulo Guedes parece ter absorvido por osmose (ou simbiose?) alguns traços da personalidade do chefe. É público e notório que ministro da área econômica não deve opinar sobre câmbio e taxa básica de juros, mas o Posto Ipiranga quebrou a regra, numa entrevista em Washington, ao dizer que "é bom se acostumar com câmbio mais alto e juro mais baixo por um bom tempo”. Isso bastou para a moeda brasileira encolheu quase 2%, passando a seu maior valor nominal desde 1994.

A fala de Guedes foi imprudente, mas não despropositada, pois passou o recado de que quem esperava encontrar câmbio mais favorável na temporada de férias de final de ano tirar o cavalo da chuva. Felizmente, basta ir a Brasília para ver o Pateta, sem mencionar que sai bem mais barato do que ir à Disney.

O plano é manter o dólar mais caro e a Selic mais baixa para estimular investimentos e dar fôlego às indústrias exportadoras, o que, espera-se, refletirá positivamente no PIB e propiciará um crescimento mais sustentável da Economia — às favas com o desejo da classe média de fazer compras em Miami e as necessidades do setor produtivo, que precisa ganhar competitividade para impulsionar as exportações com um câmbio mais favorável. Mas a debandada de investidores estrangeiros nos últimos meses transformou a volatilidade cambial em uma preocupação constante. Tanto é que na terça-feira 26 o BC despejou US$2 bilhões no mercado à vista de câmbio em menos de seis horas (foi a maior intervenção desde fevereiro de 2009 — quando se vivia o auge da crise econômica global — que, contrariando as mentiras de Lula, foi bem mais que uma simples "marolinha").

Enquanto isso, o Pato Donald acusa (injustamente) o Brasil e a Argentina de desvalorizarem suas moedas e promete taxar as importações de aço e alumínio dos dois países. Isso mostra que a "relação especial" que o Pateta diz ter com Donald não passa de mais uma aleivosia. Aliás, alguém deveria informar ao capitão que países não têm amigos, têm interesses, sendo ingenuidade, portanto, achar que o Brasil obterá alguma deferência especial porque seu presidente é baba-ovo do colega norte-americano.

Para Josias de Souza, a ameaça de Trump foi uma paulada, mas Bolsonaro reagiu com inusitado respeito e inesperada compostura: "Não vejo isso como retaliação", disse o presidente, ainda sob efeito da pancada. Se Bolsonaro reagisse como Bolsonaro, diz Josias de Souza, ele esfregaria na cara do inquilino da Casa Branca a expressão preferida do próprio: "Isso é fake News, tá ok?". Em se tratando do mito, porém, a ficha demora a cair: "Se for o caso, falo com o Trump, tenho um canal aberto com ele."

Bolsonaro ainda não se deu conta de que sua relação especial com a Casa Branca foi uma espécie de conto do vigário que o levou a entregar a Trump a base espacial de Alcântara, a liberação da catraca do Brasil para turistas americanos, a importação de uma cota extra de etanol americano e até amor verdadeiro, e, em troca, só recebeu pauladas. Dizer que o Brasil quis derrubar a cotação do real de propósito para se tornar mais competitivo no agronegócio, prejudicando os produtores americanos, é bullshit de um Trump que tenta adular o eleitorado interno às vésperas de disputar uma reeleição difícil. Goofy já disse que ama Donald Duck, mas diplomacia não é coisa para amadores nem para amantes. Em condições normais, a relação pessoal dos dois deveria ser regulada pela Lei Maria da Penha, mas, na briga dos Estados Unidos com o Brasil, quem apanha é o interesse tupiniquim.

Agora o cúmulo dos cúmulos deste governo desajustado: O debate sobre a volta da prisão em segunda instância transformou nosso indômito presidente no segundo desaparecido político do regime bolsonarista. O primeiro foi o Fabrício Queiroz, o "faz-tudo" da família Bolsonaro.

Quando Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, articula a coleta de assinaturas para retardar a votação do projeto sobre prisão prisão em segunda instância, diz Josias de Souza, a plateia fica autorizada a suspeitar que há um sósia de Bolsonaro no Palácio do Planalto.

O silêncio do presidente é estridente. O Bolsonaro legítimo, todos sabem, elegeu-se enrolado na bandeira da moralidade. Eleito, esse Bolsonaro inflexível com os maus costumes nomeou para o posto de ministro da Justiça Sergio Moro, um personagem que o presidente enxergava como símbolo nacional do combate à corrupção. De repente, o sósia do Planalto suja com o seu silêncio a imagem daquele Bolsonaro da campanha eleitoral.

Alguém se fazendo passar por Bolsonaro decerto nomeou Fernando Bezerra para o posto de líder. Trata-se, como também se sabe, de um ex-apoiador de Lula, ex-ministro de Dilma, cliente de caderneta da Lava-Jato. Agora, Bezerra se associa ao PT na articulação para retardar a volta da prisão na segunda instância.

Com o nó no pescoço, o líder do governo tenta afrouxar a corda. O pior é que ele é o único a fugir do nó. Há na Esplanada ministros investigados e denunciados. Há até um ministro condenado por improbidade. Há na casa de Bolsonaro um filho, Flávio, sob suspeita de peculato e lavagem de dinheiro. O Bolsonaro legítimo jamais silenciaria diante de um quadro assim.

Alguém precisa organizar uma incursão nos porões do Alvorada. O Bolsonaro genuíno, o autêntico, deve estar aprisionado em algum recanto sombrio do palácio residencial

Que Deus nos ajude.

sábado, 23 de março de 2019

SOBRE A PRISÃO DE TEMER, AS ESTULTICES BOLSONARIANAS... E LA NAVE VA



Temer invocou o direito constitucional de ficar calado durante o depoimento desta sexta-feira e, como eu havia previsto (vide postagem anterior), o desembargador Ivan Athié, conhecido por sua postura garantista, preferiu submeter seu pedido de habeas corpus à 1ª Turma do TRF-2 — que costuma apoiar as decisões do juiz Marcelo Bretas. O recurso deve ser apreciado somente na próxima quarta-feira; até lá, se o imprevisto não tiver voto decisivo na assembléia dos acontecimentos, o emedebista continuará hospedado na sala de 20 metros quadrados, com banheiro privativo, janela, ar-condicionado, sofá, mesa de reunião e frigobar, que era usada até então pelo corregedor da PF do Rio e recebeu uma cama e uma TV para acomodar o visitante ilustre.

Atualização: No STF, Marco Aurélio Mello rejeitou liminarmente (sem analisar o mérito) o pedido de habeas corpus de Moreira Franco, já que fazê-lo, segundo o ministro, implicaria em "queima de etapas", pois há no momento um HC pendente no TRF-2. Restou igualmente prejudicada moção da defesa para o caso ser remetido à Justiça Eleitoral, eis que feito num inquérito do qual Moreira Franco não é parte. Caso o ministro aceitasse a alegação de que a competência é da Justiça Eleitoral e suspendesse as decisões de Bretas, a medida beneficiaria igualmente o ex-presidente Michel Temer.

Segundo Carlos Marun, que visitou o ex-chefe na noite de quinta-feira (o cara é corajoso, pois poderia ter ido buscar lã e sair tosquiado — ou então não sair, mas isso é outra conversa), o "presidente" vem recebendo tratamento digno e respeitoso, mas está acabrunhado e indignado. Para o ex-pitbull palaciano, Temer é uma vítima inocente de uma “queda de braço entre o STF e a Lava-Jato”. Pois é. Lula também é inocente. E eu sou o Coelho da Páscoa.

Fato é que prisão de mais um ex-presidente caiu como uma bomba entre os políticos e foi um prato cheio para a mídia, que mal noticiou a viagem de Bolsonaro ao Chile. Durante a viagem anterior (aos EUA), os jornalistas permaneceram atentos a cada flatulência presidencial, sempre a postos para pintar com cores fortes aquelas cujo aroma mais lhes agradasse. Mas convenhamos que nosso presidente parece ter uma compulsão incontrolável para dar a cara a tapa.

Defender o folclórico muro que Trump insiste em erguer na fronteira com o México, por exemplo, foi lamentável. Tudo bem que em casa alheia não se critica o anfitrião, mas em se tratando de Bolsonaro, que é fã declarado de Trump, os salamaleques excederam em muito a simples diplomacia. E dizer em alto e bom som que "a maior parte dos imigrantes que se mudam para os Estados Unidos tem más intenções" foi (mais) uma péssima escolha de palavras — tanto é que o capitão se retratou na entrevista que concedeu logo depois de deixar a Casa Branca.

Falando em diplomacia, a promoção informal de Eduardo Bolsonaro (que, a exemplo do pai, é admirador incondicional do homem da peruca laranja) a “chanceler de fato” no encontro privado entre os presidentes de cá e de lá levou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a dar um piti em público. A cena de chilique, segundo a Folha, ocorreu diante de vários ministros e refletiu a humilhação sofrida pelo “chanceler de direito”. Vai ver que, para Jair Bolsonaro, “relações exteriores” têm a ver com “ficar de fora”. Na avaliação de Josias de Souza, a reclassificação funcional de Araújo — que já se sabia um chanceler atípico, dada a influência do guru Olavo de Carvalho, seu padrinho e ideólogo — fez do ministro não apenas um subministro, mas o sub do sub do sub.

Segundo O Antagonista, militares da ativa resolveram mandar recados a Bolsonaro. Diz Igor Gielow em sua coluna: “Não falo aqui do acordo de salvaguardas para o uso de Alcântara, uma boa medida há muito esperada. É particularmente ridículo ver a esquerda chiar como o Brasil fosse sediar uma base americana de mísseis intercontinentais e esquecer o danoso acordo promovido no governo Lula com a Ucrânia, que só torrou dinheiro. Mas as conversinhas de coxia, com tons de segredo, sobre o que fazer com a ditadura de Nicolás Maduro são de especial preocupação (para ler a íntegra da publicação, clique aqui).

Falando na ala verde-oliva, Dora Kramer faz algumas considerações interessantes. Confira a seguir:

Hoje o conselheiro mais influente do presidente é o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o porta-­voz informal da ala já tida como a mais ponderada do governo e que, embora repudie a caracterização de “grupo dos militares”, é toda composta de altas patentes oriundas das Forças Armadas com atuação bem-vista em setores sociais e oficiais, mas muito criticada nos chamados bolsões radicais do governismo. Na linha de frente, destaca-se o vice-­presidente Hamilton Mourão, com suas declarações públicas de caráter apaziguador em relação a crises e atritos provocados ora por posições do presidente da República, ora por integrante daquela outra ala que numa definição amena poderíamos chamar de polêmica, para não dizer folclórica. Numa tradução simples, o general Heleno atuaria “para dentro” e o general Mourão, “para fora”. Se um aconselha, o outro funciona como uma espécie de corretor de texto do presidente e companhia.

Isso num cenário em que a racionalidade, o bom-senso, a lógica e o rumo a partir do interesse coletivo parecem ter saído de férias. Donde a necessidade de transitar entre essas autoridades para detectar de que maneira o panorama está sendo visto por elas e tentar formular algo próximo das perguntas recorrentes em toda parte: para onde vamos? No que vai dar tudo isso? Ainda é possível reencontrar o eixo a fim de evitar um descarrilamento de consequências fatais? Nessa tarefa é que estão empenhados os setores que chamaremos aqui de oficina de consertos. Eles atuam em duas variantes principais: a adaptação do presidente às suas funções e a recolocação de estruturas e políticas de governo na direção da eficácia objetiva. Nesse tópico, chamado de “ajuste da agenda social ao ponto certo”, cita-se o exemplo do Ministério da Educação, enredado numa barafunda de egos inflados e ideologias equivocadas e afastado de sua função primordial, a de difundir e incrementar o aprendizado, como diz uma das vozes da racionalidade.

Uma correção de rumos é considerada urgente, ainda que seja necessário adotar “diretrizes mais enérgicas”, o que soa como eufemismo para a troca de titulares de algumas pastas nas áreas produtoras de atritos. Isso no limite, porque algumas providências já se notam. Onde? Na questão da Venezuela, em que, sem conflitos, o ministro das Relações Exteriores foi posto de lado. Essa banda de exacerbados é aconselhada a perceber que “comunismo não se combate com comunismo de sinal trocado”. A ideologia, confia a ala ponderada, acabará encontrando o tom certo de expressão.
Sim, mas e o presidente e sua vocação incontrolável para a crise? Aqui, discorda-se do termo “incontrolável”. A ideia é que ele se convença da conveniência do controle. “Com o tempo, haverá a recuperação da saúde física, a contenção do temperamento explosivo e a transposição de uma vida de parlamentar, cuja ferramenta é a fala para uma função regida pelos ditames da boa administração e da sobriedade.” Nesse manual de ajustes se incluiriam os filhos, que, nessa perspectiva, teriam de se voltar para os respectivos afazeres políticos.

É isso que tem sido dito ao presidente. A conferir em que medida ele dará ouvidos.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

FESTIVAL DE PINOCCHIOS



No último dia 27, o MPF pediu o bloqueio de R$ 21,4 milhões em bens e valores de Lula e outros R$ 2,5 milhões de seu filho Luis Claudio, conforme revelou o site da revista ÉPOCA na última quinta-feira.

O pedido foi feito nos autos do processo oriundo da Operação Zelotes, em que o ex-presidente é acusado dos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Aproveitando o embalo, MPF solicitou ainda o bloqueio de R$ 22,1 milhões dos empresários Mauro Marcondes e Cristina, donos da Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Ltda.

De acordo com a defesa do ex-presidente, “não há qualquer base jurídica e materialidade” no pedido. Para Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente petralha, a ação penal integra o rol de ações propostas contra Lula e seus familiares sem qualquer materialidade, com o objetivo de perseguição política. Então tá.

Mas não é só do lado de baixo do Equador que as mentiras campeiam soltas. Segundo levantamento feito pelo jornal americano The Washington Post, desde que assumiu a presidência dos EUA, Donald Trump fez 1.628 afirmações do tipo ― uma média de 5,5 mentiras ou meias-verdades por dia. Nesse ritmo, ele deve chegar a 1.999 declarações falsas até o fim do ano.

Ainda segundo o Post, a situação foi ainda pior no último mês: Trump faltou com a verdade ou usou informações distorcidas 9 vezes por dia, em média. Se seguir essa tendência, passará facilmente das 2 mil mentiras até 31 de dezembro.

O levantamento aponta também que Trump tende a se repetir. Até o momento, ele já contou 50 fatos sem precisão 3 ou mais vezes. No topo da lista, repetida em 60 ocasiões, está alguma variação da alegação de que a reforma da saúde adotada em 2010 ― conhecida como Obamacare ― está “essencialmente morta”.

Volto amanhã com a sequência sobre o Congresso Nacional. Até lá.

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sábado, 12 de novembro de 2016

A INESPERADA DERROTA DE HILLARY CLINTON

Pouca gente botou fé quando Donald Trump anunciou que iria disputar a presidência dos EUA. Mas o cara desbancou um a um os demais “pré-candidatos” e, ao final de uma campanha acirradíssima e de baixíssimo nível, acabou sendo eleito, contrariando a maioria das pesquisas ― que até a véspera da eleição apontavam Hillary Clinton como provável vencedora.

As eleições americanas não são como as daqui. Lá, os votos dos eleitores (ainda que dados para candidatos específicos) servem para eleger os delegados no Colégio Eleitoral que os representarão na escolha final do futuro presidente. Cada Estado tem uma quantidade de delegados proporcional à população; no total, são 538 representantes, e são necessários os votos de 270 deles para eleger um presidente da República. Na maioria dos casos, a determinação final dos votos dos Estados é absoluta; ou seja, mesmo que o candidato “A” derrote o candidato “B” no Estado “X” por 55% contra 45% dos votos válidos, “A” obterá todos os representantes de “X”, ao passo que “B” não levará nenhum ao Colégio Eleitoral (os únicos Estados em que se realiza uma contagem diferente são o Maine e o Nebraska). Assim, é possível que “B” obtenha mais votos totais que “A” e acabe derrotado no Colégio Eleitoral por ter perdido a disputa nos Estados mais populosos.

Observação: Vale salientar que não existem apenas dois partidos políticos nos Estados Unidos. Embora o Democrata e o Republicano sejam os mais conhecidos, até porque se alternam no poder desde as mais priscas eras, há dezenas de outras legendas ― como o Partido Libertário, o Partido Verde, o Partido Novo, o Partido da Montanha, o Partido da Reforma, o Partido dos Trabalhadores (é, lá também tem), o Partido do Alaska, o Partido do Havaí, etc. ―, que, por receberem apoio mínimo nas eleições gerais, não aparecem nas cédulas de todos os Estados (com exceção do Libertário e do Verde).

Entendeu? Nem eu! Mas sigamos adiante, ou melhor, voltemos agora ao dia 8, quando o mundo ficou boquiaberto com a vitória de Trump ― ou melhor, com a derrota de Hillary. Até porque os americanos não escolheram o candidato de que mais gostavam, e sim o que menos detestavam. E, surpreendentemente, a democrata superou o republicano em falta de empatia e índices de rejeição.
S
ob alguns aspectos, esse resultado inesperado faz lembrar a eleição de Doria, que se deveu em grande parte à manifesta rejeição dos paulistanos à classe política como um todo ― e o prefeito eleito fez absoluta questão de salientar, durante toda a campanha, que não era político, mas gestor e empresário bem-sucedido.    

A vitória de Trump premiou uma das campanhas mais heterodoxas da história e a ambição de um empresário que venceu na política explorando ao máximo a frustração do público com os políticos tradicionais. Assim que sua vitória foi confirmada as Bolsas despencaram na Ásia (quedas de 5,35% em Tóquio e 2,16% em Hong Kong) e o peso mexicano caiu 10,2% ― uma desvalorização que não se via desde a crise global de 2008.

Desafiando o consenso de que não chegaria longe devido à inexperiência na política e ao linguajar vulgar, a despeito da divulgação de um vídeo em que afirmava que era famoso e podia “pegar as mulheres pela xoxota”, de uma dúzia de acusações de assédio sexual, das promessas de sobretaxar as importações, construir um muro na fronteira com o México e deportar de cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais (só para citar alguns exemplos notórios), Trump não só chegou ao final da disputa disparando impropérios e barbaridades e destilando ódio, mas também a venceu, vendendo-se como o forasteiro político capaz de desafiar um sistema corrupto que tem na concorrente ora derrotada seu maior símbolo de decadência. Aliás, quando tudo parecia perdido para o republicano, uma ajudinha do diretor do FBI fez a diferença: no finalzinho de outubro, Comey reabriu a investigação sobre Hillary ter usado um servidor privado de e-mail quando era secretária de Estado. O FBI reiterou sua decisão anterior às vésperas da eleição, mas aí o estrago já estava feito.

Hillary foi primeira-dama entre 1993 e 2001, senadora pelo estado de Nova York entre 2001 e 2009 e secretária de Estado entre 2009 e 2013. Ainda assim, ela é vista como uma pessoa com duas condutas ― uma a portas fechadas, para apoiadores importantes e doadores de recursos de campanha, e outra, pública, para os eleitores médios do partido democrata. Alguns fatores relacionados a sua vida pessoal explicam essa “natureza secreta” ― como os traumas dos anos 1990, quando as finanças e a vida íntima dos Clinton foram expostas e divulgadas. No cômputo geral, parece que sua aura de pessoa fria, inacessível, distante e com pendor para os segredos suplantou as credenciais de décadas na vida pública que a qualificavam como uma das candidatas mais preparadas para concorrer à Casa Branca.

Trump nasceu rico e tornou-se bilionário (para muitos, ele é “apenas” multimilionário) com empreendimentos de sucesso no setor imobiliário e, dizem, mediante sonegação de milhões de dólares em impostos através de manobras legalmente questionáveis. Fala-se também que ele coleciona falências e vários fracassos nos negócios, como uma companhia aérea entregue aos credores, jogos de tabuleiro que não venderam e hotéis e cassinos luxuosos falidos, e que enfrenta duas ações coletivas de ex-alunos da Trump University por estelionato, além de ser tido e havido como um mentiroso de marca maior: um jornal canadense checou 253 informações do republicano em 33 dias e constatou que ele não passa um dia sem mentir ― chegando a contar 25 lorotas num único dia! Ao fim e ao cabo, as diferenças entre os dois lados da campanha resultaram numa das eleições com maior polarização política e tensão racial da história ― e, por que não dizer, uma das mais sujas, com várias empreitadas polêmicas, a maioria delas protagonizada por Trump, que, após 14 temporadas à frente do programa de TV "O Aprendiz", introduziu o estilo "reality show" na campanha presidencial, capitalizou a "raiva" de grande parte do público contra o governo e acabou derrotando todos os adversários, inclusive Hillary, numa virada monumental ocorrida no próprio dia da eleição.

Por essas e outras, a disputa foi dominada por acusações mútuas, com menos tempo dedicado a propostas e mais às personalidades de dois dos candidatos mais impopulares da história.
A meu ver, venceu o pior, mas Trump também não deverá ser facilmente engolido pelas lideranças internacionais, já que disparou contra muçulmanos, mexicanos, chineses, japoneses e coreanos, entre outros, gerando incertezas sobre suas posições e propostas. Espera-se que ele perceba o quanto seria arriscado adotar as medidas drásticas alardeadas durante a campanha, como o abandono unilateral do Nafta, os acirramentos com o México e a China e a combinação de cortes de impostos e aumento de gastos com potencial para expandir o déficit público americano em até US$ 5 trilhões em dez anos.

Em política, é comum dizer o contrário do que se pensa e fazer o oposto do que se diz. Logo após sua inesperada vitória, o pato Donald assumiu um tom conciliatório em seu discurso: “Agora é hora de os EUA curarem as feridas da divisão, de promover a união. A todos os republicanos, democratas e independentes de todo o país, digo que é hora de nos unirmos como um só povo", disse o presidente eleito, em sua versão “paz e amor”. Passados 4 dias, as atenções se voltam para as políticas que ele adotará como presidente, mas fazer uma análise dessa questão neste momento seria mero exercício de futurologia. Melhor deixar a poeira assentar e voltar ao assunto daqui alguns dias ― ou semanas.

(Com conteúdo da Folha).