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quarta-feira, 31 de julho de 2019

BOLSONARO É BOLSONARO. E PONTO FINAL.


Foi lamentável a maneira como o presidente Jair Bolsonaro tratou a questão do desaparecimento do pai de Felipe Santa Cruz, que agora pretende recorrer ao STF para “obter esclarecimentos” — como se nossa mais alta corte não tivesse nada mais importante para fazer do que se debruçar sobre as picuinhas do chefe do Executivo e as polêmicas geradas por seus pronunciamentos intempestivos. A declaração foi dada quando o capitão reclamava da OAB  — órgão do qual Felipe é presidente nacional — na investigação do caso de Adélio Bispo, o lunático inimputável: "Por que a OAB impediu que a PF entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", perguntou o presidente.

A coisa ficou pior depois que Bolsonaro, numa livre gravada na tarde de segunda-feira enquanto cortava o cabelo, apresentou uma versão dos fatos que colide frontalmente com a da Comissão da Verdade. Na manhã de ontem, após um café da manhã no Alvorada com Rodrigo Maia, o presidente se dirigiu aos jornalistas nos seguintes termos: “Vocês acreditam em Comissão da Verdade? Qual foi a composição da comissão da verdade, foram 7 pessoas indicadas por quem? Pela Dilma”. Questionado sobre a ação no STF iniciada por Santa Cruz, o presidente disse que é “direito dele”. E Falou ainda que não tem documentos que embasem o que comentou na última segunda feira: “O que eu sei é o que eu falei pra vocês. Não tem nada escrito, que foi isso ou foi aquilo… Meu sentimento era esse. Agora, você pode ver, a OAB não quer que se chegue aos mandantes da tentativa de homicídio minha”.

Dias antes, ao se manifestar sobre a portaria nº 666 do Ministério da Justiça e Segurança Pública — segundo a qual indivíduos envolvidos em atos de terrorismo, associação criminosa armada que tenha armas à disposição, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil e até torcidas de futebol com histórico de violência em estádios podem ser sumariamente deportadas —, o presidente negou que fosse algum tipo de retaliação, até porque a medida não atinge o criador do site panfletário proselitista The Intercept Brasil, mas, ainda segundo o presidente, Greenwald poderia “pegar uma cana aqui mesmo”. A conclusão é uma só: diga Bolsonaro o que disser, sempre haverá polêmica.

Sobre a Vaza-Jato, a atuação espúria do site panfletário e seus associados, que vêm divulgando a conta-gotas supostos diálogos mantidos entre Moro e Dallagnol, e entre este e outros procuradores da Lava-Jato, salta aos olhos tratar-se de uma edição claramente tendenciosa, repleta de ilações feitas a partir de trechos retirados do contexto com o nítido propósito de anular processos e ajudar a libertar o picareta dos picaretas. Lamentavelmente, alguns juristas se respaldam na hermenêutica para agregar à previsão constitucional que garante aos jornalistas o direito de preservar suas fontes o condão de acobertar criminosos. Mas num país em que 7% da população (cerca de 15 milhões e brasileiros) acreditam que a terra é plana, não se poderia mesmo esperar que o exercício intelectual fosse o esporte nacional.

Igualmente fantasiosa me parece a hipótese de Walter Delgatti Neto, tido como o chefe da quadrilha que invadiu quase 1000 telefones, a maioria dos quais pertencente a membros da mais alta cúpula deste projeto de banânia, ter agido de moto próprio e cedido graciosamente o produto do crime ao manipulador do conta-gotas mais temido do Brasil. Nem mesmo a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em tamanha falácia (refiro-me à personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo os anos de chumbo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares).

Resta saber se, uma vez comprovada a suspeita de que o hacker foi pago pelo trabalho (segundo um integrante do grupo, a ideia era vender o material ao PT), Verdevaldo foi cúmplice ou apenas cometeu um “antiético”. Seja como for, a motivação política ficou evidente quando veio à tona que Manuela D’Ávila, ex-candidata a vice pelo PCdoB na chapa do bonifrate de Lula em 2018, serviu de intermediária entre Delgatti e o site The Intercept. E tudo indica que o gringo trastejão já estava de posse do material quando entrevistou Lula na prisão. Na entrevista que deu a Monica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes Jr, do El Pais, o petista disse que Moro, Dallagnol e sua turma seriam “desmascarados”, e semanas depois o Intercept pingou a primeira gota do seu veneno. Teria o molusco eneadáctilo se tornado clarividente devido à abstinência alcoólica ou será que um passarinho lhe revelou com antecedência o caminhão de merda que Verdevaldo tencionava despejar?  

Entre o dia em que se deu o primeiro contato entre Verdevaldo e Vermelho passaram-se quatro semanas. Ao publicar os diálogos, o dono do site declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”

Em sua coluna n’O Globo, Merval Pereira especula se nas conversas de Dallagnol com outros procuradores, ou mesmo com Sérgio Moro, não havia um espaço para troca de informações sobre outros casos da Lava-Jato que não os relacionados a LulaDelgatti disse também que entrou nas conversas sobre a Operação Greenfield em Brasília, que apura desvios em fundos de pensão. Pelo seu relato, não encontrou nada de ilegal nas conversas, por isso não se interessou. Que estelionatário mais preparado, esse, que sabe onde há supostas irregularidades processuais e onde não há!

Voltando ao presidente, o que se vê é Bolsonaro sendo Bolsonaro. E isso dificilmente irá mudar. Depois de seis meses no cargo, o capitão ainda age como se estivesse em campanha, dando declarações “de palanque” endereçadas a sua base de apoiadores (os “bolsomínions”), conquanto devesse atuar em prol do restabelecimento da paz e se empenhar na aprovação de medidas que revertam a dura recessão que o país amarga desde a reeleição da nefelibata da mandioca. Aceitemos, se não de bom grado, ao menos com esforço de tolerância, que ele fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Lula, mas exitoso: seu eleitor de raiz está firme.

Segundo Dora Kramer, dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar o presidente por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-­los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga. Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula — a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política —, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade. Ele tem gosto especial por temas de menor relevância”.

À época, Luciana foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria. No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.

Um exemplo é a indicação de zero três para a embaixada em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado que muitos especulam se a ideia vai prosperar — eu acho que vai, porque Trump não se oporá à escolha, e o mesmo deverá acontecer (por motivos diversos, naturalmente) com os senadores que submeterão "o garoto" à sabatina de praxe, mesmo que o maior destaque em seu currículo seja ter fritado hambúrgueres numa lanchonete da rede Popeyes, que serve frango frito. A pergunta que não quer calar é: por que semear conflito justamente quando o governo deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara? Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.

Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Jair Bolsonaro. Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo temos a transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, o pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a Argentina.

Nada disso vai adiante, como não irão as ideias de transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.

sexta-feira, 8 de março de 2019

O CARNAVAL ESCATOLÓGICO DO PRESIDENTE




Após o feriadão de Carnaval — o único “feriado” que os Bancos emendam, embora nem a terça-feira seja considerada como tal —, o Ibovespa fechou em baixa (3,74%, a mais expressiva queda diária desde a greve dos caminhoneiros, quando o índice recuou 4,48%). Contribuíram para isso cenário internacional as expectativas sobre a taxa Selic (que acabou mantida em 6,5%), naturalmente, mas o negativismo do mercado financeiro se deveu em grande medida à sucessão de pronunciamentos dessintonizados do governo sobre a reforma da Previdência e às frequentes pantomimas protagonizadas pelo presidente da República.

Ninguém é obrigado a gostar de Carnaval, mas cabe ao chefe do Executivo demostrar alguma simpatia — ou ao menos disfarçar sua antipatia — pela maior manifestação cultural deste país. Em vez disso, depois de elogiar o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, de editar uma medida provisória que altera as regras da contribuição sindical, de criar da chamada Lava-Jato da Educação, de bater boca com Daniela Mercury, Caetano Veloso e José de Abreu, Bolsonaro, a pretexto de rebater críticas que lhe foram endereçadas por diversos blocos carnavalescos, chegou ao cúmulo de publicar um vídeo escatológico e obsceno, devidamente acrescido da seguinte pérola: “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”. 

Logo após o tuíte, muitos internautas pediram que o conteúdo fosse denunciado à rede social como impróprio, mas nem o Twitter, nem Bolsonaro excluíram a postagem (que acabou exibindo um aviso de que "pode conter material sensível"). Mais adiante, o Planalto divulgou uma nota afirmando que “o presidente não teve a intenção de criticar o Carnaval de forma genérica" ao divulgar o vídeo, mas sim de "caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular". Algumas ações, porém, não podem ser desfeitas. É o caso das flechas lançadas, das oportunidades perdidas e das palavras ditas.

Excessos durante o reinado de Momo são cometidos que o mundo é mundo, mas convenhamos: num momento em que há tantos assuntos mais importantes a tratar, não faz o menor sentido o presidente agir como fiscal dos costumes e se valer de um caso isolado para atribuir a pecha da perversão aos blocos carnavalescos em geral. O mais espantoso, porém, é que, ao misturar suas convicções pessoais com as da nação, Bolsonaro “cagou e andou” para decoro exigido pelo cargo que ocupa (a expressão não é lá muito polida, mas me parece adequada a toda essa baixaria).

É claro que Bolsonaro não foi o primeiro presidente a cagar no prato em que comeu (vide observação anterior): Collor se declarou “homem macho de colhão roxo”; Itamar se deixou fotografar ao lado de uma carnavalesca com a genitália à mostra (a dela, não a dele); Lula era useiro e vezeiro em fazer piada com homossexuais e chegou certa vez a chamar as mulheres de “grelo duro” a defendê-lo; FHC foi talvez o mais inglês entre os presidentes da última safra, mas sua carência de humor o distanciava do povo mais do que ele gostaria; Dilma... bem, essa senhora é um caso à parte, pois ela não somente desonrou a Presidência pelo simples fato de a ter exercido como legou para a história do estilo presidencial uma série de cacoetes que potencializaram seu impeachment. Torçamos, pois, para que Bolsonaro não lhe siga os passos.

Bolsonaro foi promovido de deputado do baixo-clero a presidente da República não só, mas também com os votos dos que o consideravam um mal menor (diante da alternativa, o próprio capeta seria um mal menor). Portanto, seria bom alguém lhe dizer que treino é treino e jogo é jogo, que a campanha terminou há quatro meses e governo começou há dois, e que, mesmo numa republiqueta de bananas como a nossa, o presidente eleito é o presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele, dos que seguem outras religiões e dos que gostam de Carnaval. O tal vídeo que ele (ou o filho Carlos, segundo se diz à boca pequena) tuitou, com direito a cenas de gente manipulando o ânus e recebendo um banho de urina, é mais que um atendado ao bom gosto e ao decoro do cargo que sua excelência ocupa.

Josias de Souza classifica esse episódio como um caso único de de difamação do Brasil por seu próprio presidente, que reputa a obscenidade exibida no vídeo como uma cena comum, repetida Brasil afora por milhares de brasileiros — o que até quem não gosta de Carnaval sabe que não é verdade. Comum, no reinado de Momo edição 2019, foi a associação que os foliões fizeram de Bolsonaro com o laranjal do PSL e com Fabrício Queiroz, mas irritação não dá ao presidente o direito de levar o Carnaval às manchetes internacionais como uma grande festa popular em que os brasileiros saem às ruas para sambar e mijar uns nos outros. 

A deseducação e a desinformação, afirma o jornalista, sempre fizeram parte da personalidade política de Bolsonaro, mas a Presidência lhe deu uma tribuna vitaminada, que ele deveria aproveitar para irradiar confiança e bons exemplos, mas vem usando para espalhar ódio e desinformação. Se não fizer uma concessão ao decoro, sua excelência vai acabar agigantando a vice-presidência, conferindo ao general Mourão, pelo contraste, um conteúdo de inusitada moderação. 

Para Merval Pereira, as cenas explicitas de pornografia — ou de obscenidade escatológica, melhor dizendo, pois pornografia vem do grego “pórne” (prostituta) e remete a algo que desperta pensamentos sexuais — e sua divulgação sob o pretexto de defender a moralidade foram “momentos deprimentes do triste cotidiano de um país que não consegue construir seu futuro”. 

Eu não vejo como discordar de nenhum dos dois.

segunda-feira, 4 de março de 2019

SOBRE BOLSONARO PAI E A VOLTA DE BOLSONARO FILHO (ZERO DOIS)



Jair Bolsonaro foi eleito porque, no primeiro turno, nosso esclarecidíssimo eleitorado descartou 11 candidatos (que não valiam dois tostões de mel coado, verdade seja dita) e levou ao segundo turno os dois extremos (extremistas? extremados?) do espectro político-partidário. Como a perspectiva de um poste-fantoche controlado remotamente desde Curitiba se aboletar no Palácio do Planalto era muita desgraça para um só país, o jeito foi apoiar o deputado-capitão, que venceu por uma vantagem de quase 11 milhões de votos.

Eleger Bolsonaro foi só o primeiro passo. É preciso apoiá-lo e ao seu governo. Mas isso não significa aplaudi-lo de pé quando ele se deixa fotografar trajando uma camiseta pirata do Palmeiras e chinelos de dedo, ou quando dá respostas estapafúrdias a perguntas que sequer foram feitas — exemplo: na semana passada, “do nada”, ele disse poderia “suavizar” a reforma da Previdência, e causou uma queda de quase 2 pontos no Ibovespa.

Todos conhecemos as limitações do presidente. Todos sabemos que, durante os últimos 30 anos (ou quase isso), ele foi um obscuro deputado do baixo-clero, que economia não é o seu forte, que seus discursos não arrebatam e que algumas de suas ideias... não fascinam, para dizer o mínimo. Mas não é preciso ser um chef de cuisine para dizer se a sopa ficou salgada ou se o filé passou do ponto. 

O Brasil não é para principiantes, mas se a Dilma conseguiu ficar 5 anos 4 meses e 12 dias no Palácio do Planalto, Bolsonaro pode dar certo se aprender a ouvir e cercar de assessores qualificados. 

Infelizmente, tirando Paulo GuedesSérgio Moro e, com muito boa vontade, Onyx Lorenzoni e um ou outro ministro da “ala militar”, pouca coisa se aproveita. Isso sem mencionar o ministro da Educação, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (para que raios precisamos de uma pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?), o ministro das Relações Exteriores e o do Turismo, que inexplicavelmente continua ministro, despeito de ser “chegado numa laranjada”. Dizem me Brasília que pau que bate em Chico bate em Francisco, mas sabe-se lá se as razões de foro íntimo que pavimentaram a exoneração de Bebianno se aplicam a Antônio.

Por outro lado, os que não gostam de Bolsonaro e torcem para que ele não complete os quatro anos de mandato previstos na lei estão inconsoláveis com a curta duração que os seus problemas têm tido até agora, com as crises que estão terminando rápido demais. Um dos melhores momentos nessa sucessão de problemas que queimam a largada teve como herói o filho do meio do presidente, que também atende por zero dois, Carluxo e pitbull do “paipai”

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe: depois do bafafá que levou à exoneração de Gustavo Bebianno — com direito a mentiras, desmentidos, bate-bocas, versões sobrepondo-se a fatos e conversas pelo WhatsApp que não foram propriamente conversas, mas simples trocas de arquivos de áudio —, o “garoto” se escafedeu de mala e cuia, supostamente para reassumir as funções de edil na Cidade Maravilhosa, e levou a tiracolo o primo que, dizem as más-línguas, ele havia encarregado de ficar de olho no paipai

Mas, de novo, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe: também segundo as más-línguas, no último dia 25 Carlos Bolsonaro teve pelo menos um compromisso com autoridades do governo na capital, além de falar com o próprio pai sobre a possibilidade de renunciar ao mandato de vereador no Rio e ficar definitivamente em Brasília... Céus e terras, tremei|!

Perguntado por Veja até quando a prole presidencial continuará se imiscuindo em assuntos do governo, o vice-presidente respondeu que a família do presidente é muito unida por tudo que enfrentou (referindo-se ao atentado contra a vida do então candidato, durante um ato de campanha em Juiz de Fora, em setembro do ano passado) e que a grande preocupação é “o governo se perder num emaranhado de questões menores”. “Agora que o pai está bem”, disse o general Mourão, “cada um dos filhos cuidará de suas atividades; se a partir de agora ocorresse algo distinto, aí seria o caso de eu conversar com ele”.

A hora é agora, general. Segue o baile.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SOBRE BRUMADINHO, FLÁVIO BOLSONARO E OUTRAS CATÁSTROFES ANUNCIADAS



A catástrofe que se abateu sobre Brumadinho, a exemplo da que ocorreu em Mariana há pouco mais de 3 anos (ressalte-se que ninguém foi punido até agora) foi mais uma tragédia anunciada resultante da ganância desmedida de empresários e da inoperância do poder público. Prova disso é que o plano de contingência da Vale se limitava tocar uma sirene para alertar funcionários e moradores locais do risco iminente de uma barragem se romper, mas, espantosamente, nem isso funcionou. Em última análise, o que temos diante dos olhos é mais um instantâneo do nosso gigante adormecido, deitado eternamente em berço esplêndido, que parece não ter motivo para despertar. Dito isso, vamos em frente.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz é outra tragédia anunciada (detalhes nesta postagem), cujos novos desdobramentos complicam ainda mais a situação do filho do Presidente e respingam no próprio Presidente. E o que não falta é gente atrás de um "pezinho" para criticar tudo que Jair Bolsonaro faz, diz ou pensa.

Em tese, quem se encontra no olho do furação é Queiroz — espécie de factótum, que está para a família Bolsonaro como José Carlos Bumlai para a dos Lula da Silva. Semanas atrás, Flávio publicou no seu perfil no Twitter: "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações".

Os esclarecimentos que senador eleito deu até agora são tão inconsistentes quanto os de seu ex-funcionário. Um amontoado de meias-verdades misturadas com fatos reais e versões criadas por seus advogados. Se Flávio não tem nada a ver com o peixe — como ele próprio não se cansa de dizer —, então por que ainda não chamou o ex-assessor às falas, concitando-o a esclarecer de uma vez essa mixórdia? Essa é uma das muitas perguntas que carecem de resposta. Outra mais serão vistas no final desta postagem e algumas serão respondidas na próxima. Mas vamos por partes. 

Quando as tais movimentações atípicas na conta de Queiroz vieram a público, bastava o dito-cujo apresentar a tal “versão plausível” que seu ex-chefe disse ter ouvido dele. Em vez de atender às convocações da Justiça, porém, o ex-assessor se mocozou numa comunidade controlada pelas milícias em Rio das Pedras (RJ), onde sua família tem vans ilegais. Quando reapareceu — tão misteriosamente quanto sumira —, disse em entrevista ao SBT que nunca foi “laranja”, que sempre foi um cara de negócios, que comprava e revendia carros, e por aí afora. Mas a mim parece improvável que todos os funcionários lotados no gabinete do então deputado, que fizeram depósitos na conta Queiroz, tenham comprado os carros que ele supostamente revendia.  

Quando os fatos falam, as suspeitas calam. Mas nem Queiroz, nem seus familiares, nem Flávio Bolsonaro atenderam às convocações do MP-RJ. Às vésperas do réveillon, o pivô da história mal contada foi submetido a uma cirurgia para remover um tumor maligno. Três dias depois, apareceu sambando no quarto do hospital, em um vídeo em que viralizou nas redes sociais. Após ter recebido alta (no último dia 8), o sambista de enfermaria garantiu ter pago a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor; prometeu esclarecer "em breve" as movimentações atípicas em sua conta, mas não especificou quando isso ocorreria. E exemplo de seu ex-chefe, não compareceu ao depoimento marcado para o último dia 10. 

As investigações foram suspensas pelo ministro supremo Luiz Fux no último dia 16. O magistrado acolheu uma Reclamação de Flávio Bolsonaro questionando a competência do MP e reivindicando foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, o senador eleito disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo, mas que é o maior interessado em esclarecer tudo e não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”. Aguarda-se para a próxima sexta-feira a decisão do ministro Marco Aurélio, sorteado relator da Reclamação, que definirá em qual instância do Judiciário as investigações terão prosseguimento (o ministro já ventilou que será o MP-RJ, mas a experiência ensina que não se deve confiar em barriga de criança, promessa de político e cabeça de juiz).

Abiscoitar parte do salário dos assessores é uma prática largamente utilizada por parlamentares. Segundo o Globo, a lista de funcionários fantasmas na Alerj inclui gente ligada ao PT, PP e MDB, um pastor evangélico, uma dona de salão de beleza e até um morador do município de Búzios, que fica distante 175 quilômetros da capital (mais detalhes neste vídeo). Claro que a habitualidade não torna o "pedágio" legal ou moralmente aceitável; aliás, o próprio Presidente afirmou que se o filho errou, deve pagar — mas depois abrandou o discurso e disse que estavam atacando “o garoto” para atingi-lo e a seu governo, que considera o episódio um “massacre”, e por aí vai.

Até aí eu concordo. Uma verdadeira caça às bruxas — fomentada em grande medida pela mídia e opositores do atual governo — está em curso. Mas volto a lembrar que os fatos precisam falar para as suspeitas calarem. Quem votou em Bolsonaro espera que ele cumpra suas promessas de campanha, sobretudo no que concerne ao combate à corrupção. Não fosse assim, teriam escolhido o fantoche do presidiário de Curitiba, a "personificação" da corrupção na política tupiniquim.  

Com a cirurgia a que Bolsonaro se submeterá nesta segunda-feira, é bem possível que a pressão sobre o Planalto diminua, permitindo desassociá-lo das suspeitas que pairam sobre "zero um". Mas há quem diga que não haverá trégua e que o Governo não pode dar declarações dúbias, sob pena de desgastar seu capital político. Acredito eu que, somada à tragédia de Brumadinho, a internação do Presidente deve mudar momentaneamente o foco da imprensa, mas há muitas perguntas sem resposta, e é fundamental que as respostas venham com a possível brevidade, pois já se fala até na renúncia renúncia de Flávio Bolsonaro (o senador eleito nega, naturalmente, mas onde há fumaça costuma haver fogo).

Talvez o prólogo deste governo não esteja saindo como como gostaríamos, mas o epílogo do capítulo da história que se está escrevendo precisa ser diferente.

Entre outras perguntas que carecem de resposta, enumero as as seguintes:

1) Se Flávio Bolsonaro realmente não tem nada a ocultar, por que não presta depoimento e põe fim à parte que lhe toca nesse imbróglio?

2) Em sendo apenas citado (e não formalmente investigado), por que ele não atende às convocações do MP-RJ?

3) Por que levou o caso ao STF, mesmo sabendo que a PGR pode ampliar o escopo das investigações e envolver o próprio Presidente?

4) Por que fez 48 depósitos de R$ 2 mil cada, em dinheiro, no autoatendimento da Alerj, quando poderia ter depositado o valor total, de uma só vez, na boca do caixa?

5) Ainda que sua versão sobre a origem do dinheiro tenha sido confirmada pelo comprador do apartamento que ele tinha na Barra, por que as datas não batem?

6) Como ele afirma que ganha mais como empresário do que como político se, para isso, sua franquia precisaria gerar um lucro muito superior à média do mercado (sem mencionar que os imóveis objeto de investigação foram comprados quando o "zero um" ainda não era franqueado da Kopenhagen)?

7) Como se explica o fato de o então deputado ter condecorado com a Medalha Tiradentes — a maior comenda do Legislativo do Rio — o miliciano Adriano da Nóbrega, hoje suspeito de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, além de contratar para trabalhar no seu gabinete a mãe e a mulher desse sujeito (que está foragido da Justiça)?

Se alguém puder respondê-las, sou todo ouvidos. Senão, eu mesmo tentarei fazê-lo no post de amanhã.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O BRASIL FORA DA CURVA



Até meados dos anos 1970, escreveu Dora Kramer em sua coluna na edição desta semana da revista Veja, os concursos de fantasia promovidos por grandes clubes e hotéis, principalmente no Rio de Janeiro, eram um acontecimento de sucesso absoluto no Carnaval. Havia duas categorias: luxo e originalidade. Na primeira, valia o esplendor; na segunda, a capacidade de surpreender. Se houvesse hoje um campeonato mundial entre países no quesito originalidade, o Brasil seria hors-concours, tal a fertilidade do país em ineditismos.

De Fernando Henrique Cardoso costumava-se dizer que era um presidente fora da curva, dado seu preparo intelectual e sua “vivência de mundo”. Isso depois de o Brasil já ter se inscrito no campo das primazias com um impeachment presidencial na estrita regra democrática, sem quebra institucional, a despeito da proximidade do finado período autoritário e da ainda incipiente cultura democrática nas esferas pública e privada.

De lá para cá vem sendo produzida uma série de originalidades, a mais recente delas de novo atinente a um presidente. Jair Bolsonaro poderia também ser considerado um ponto fora da curva (pelas razões opostas às que assim enquadravam FHC) se nos últimos anos o país não tivesse se notabilizado pela transformação da exceção em regra. Era um governador baiano, Otávio Mangabeira, quem dizia: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”.

A constatação, ampliada em âmbito nacional, não poderia ser mais atual quando se pensa na eleição para presidente de um deputado de atuação inexpressiva no Parlamento, com posições extremadas, muitas vezes caricatas, e que até outro dia não influía nem contribuía com coisa alguma para a cena política do país.

A fim de economizarmos espaço e evitarmos repetições, deixemos aqui de lado os detalhes da devastação ainda em andamento ocasionada pela Lava-Jato e derivados nos grandes, médios e pequenos escalões políticos e empresariais. Vamos direto ao seu efeito mais vistoso: um ex-presidente da República altamente popular, tido por muita gente (inclusive pelo próprio) como inimputável, preso e com mais de meia dúzia de processos nas costas. E o que dizer da prisão dos quatro últimos governadores do Rio de Janeiro, dois ainda na cadeia?

Um segundo impeachment presidencial em menos de 25 anos também não é algo corriqueiro, embora o inusitado ainda reservasse outra surpresa: o governo substituto daquele amplamente rejeitado viria a fazer história como o mais impopular dos tempos democráticos, apesar de ter estancado uma trajetória ao inevitável fundo do poço.

É assim, em ambiente de coisa nunca vista, que finalizamos o ano e mais um período presidencial: com Michel Temer tendo evitado o desastre maior e, por força de ter virado vidraça na Presidência, deixando agora o cargo na condição de investigado, denunciado, processado, todo enrolado com a lei, assim como boa parte dos companheiros que com ele durante anos foram condôminos do poder.
Tivessem deixado ao PT, Dilma e Lula as batatas, Temer e a turma do MDB talvez estivessem agora em melhores lençóis. Mas o Brasil não saberia da missa a metade.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O BRASIL E A INDEFECTÍVEL TURMA DO QUANTO PIOR, MELHOR



O Brasil da primeira classe, escreveu J.R Guzzo em sua coluna desta semana na revista Veja, continua brincando de democracia americana todas as vezes que o seu submundo jurídico se agita — aquela usina processadora de lixo onde são fabricadas, embaladas e distribuídas as leis neste país. Você sabe do que se trata. É a combinação mortal de Câmara dos Deputados com Senado Federal, mais o STF as outras “cortes superiores” e as 500 diferentes modalidades de Ministério Público que se encontra a cada esquina — tantas que nem os próprios procuradores saberiam dizer quais são. Há ainda os 18.000 juízes. Há a OAB. Há os advogados de porta de condomínio de luxo. Há a elite civilizada, liberal e movida a direitos, que defende qualquer aberração carimbada como "letra da lei" — e se a letra da lei nega a aplicação da justiça mais elementar, dane-se a justiça mais elementar. Há os “garantistas”. Há de tudo, até quem acha uma conquista da humanidade soltar milhares de criminosos durante o período das festas, mesmo que tenham matado pai e mãe a pauladas. É um milagre, pensando bem, que o Brasil ainda exista. Deve ser a simpatia, o poder do algo mais e da alegria.

O novo presidente Jair Bolsonaro já está despachando desde 1 de janeiro no Palácio do Planalto, aclamado por mais de 100 mil pessoas na festa de posse, seus ministros começam a tomar providências práticas e nenhum dos cataclismos que deveriam destruir o Brasil com a sua vitória, segundo nos garantem há meses, aconteceu até agora. Mas a porção mais destrutiva da sociedade brasileira, essa que sobrevive traficando com leis e construindo um novo estado de direito a cada quinze dias, não dá nenhum sinal de que tenha percebido alguma mudança no Brasil — não admite que a população quer um novo país, pois é óbvio que se encheu definitivamente do velho. O resumo da ópera, segundo os espíritos de primeiro mundo que querem pensar por você, é o seguinte: esse governo que está aí não vale. Em consequência, tudo o que fizer estará errado e será provavelmente ilegal. A ordem é: já que o “outro lado” teve mais votos, então que se impeça o governo de governar, através da produção contínua de baderna legal. É essa a “resistência” de que se ouve falar. O avião já fechou as portas e decolou; é um mau negócio, para todos, ficar torcendo para o piloto se dar mal. Mas eis aí: o que interessa para os “resistentes” é fazer o avião cair com todo mundo dentro. Depois se vê. Pelo menos, dizem eles, salvamos a democracia no Brasil.

A produção de desordem jurídica se faz por muitos lados, é claro — já há gente de terno e gravata falando em impeachment de Bolsonaro, por exemplo, ou indagando se não foi sua família que matou a vereadora Marielle. Mas o foco principal da torcida organizada está no STF, onde a sabotagem contra a ordem legal continua sob o disfarce de ação civilizatória em favor dos direitos universais do homem — quer dizer, em favor de soltar Lula da cadeia. “O STF é hoje o mais nefasto fator de instabilidade legal no Brasil”, disse recentemente o jurista Modesto Carvalhosa. Alguém sabe de outro? Na última brincadeira feita ali para virar a mesa, o ministro Marco Aurélio, por conta própria, mandou que Lula fosse solto. Pura palhaçada. Dali a pouco o atual presidente, Antonio Dias Toffoli, anulou a ordem e virou o “Anjo Bom da Direita” — ou, talvez, um personagem daqueles programas de auditório tipo “Rainha Por Um Dia”. Está cheio de gente assim, por lá. O ministro Luiz Fux, há pouco, mandou prender o terrorista e quádruplo homicida italiano Cesare Battisti — isso depois de ficar garantido que o sujeito tinha fugido, sob a benção de um habeas corpus dado em 2017 pelo mesmíssimo Fux. Há aquele Fachin, que um dia manda o Brasil obedecer “a ONU” e permitir a candidatura de Lula, no outro segura na cadeia a ladroada da Lava-Jato.

A próxima exibição de circo que mostrará como “estão funcionando” as nossas “instituições” está prevista para abril — quando se fará a centésima tentativa de tirar Lula da cadeia, agora com o julgamento final pelo STF da questão da condenação em segunda instância. O cidadão deve ser preso depois de condenado em duas instâncias, como ocorreu com Lula, ou só pode ir para a cadeia se for condenado três vezes seguidas, como querem os campeões do “direito de defesa”? Apareceu um problema, aí: para soltar Lula descobriu-se que será preciso soltar dezenas de milhares de assassinos, estupradores e até feminicidas, imaginem só, hoje trancados nas penitenciárias. Como é que faz? É a entrada no mundo da insânia. Talvez seja melhor parar logo com isso.

Em tempo: 

O senador Lasier Martins, autor de um projeto que modifica o regimento interno da Casa para a escolha da mesa diretora, impetrou um mandado de segurança pedindo o fim do sigilo do voto. O ministro supremo Marco Aurélio acolheu o pedido, mas o MDB e o Solidariedade recorreram. Se Dias Toffoli não decidir a questão nesta semana, Luiz Fux — que assumirá o plantão do STF a partir da próxima segunda-feira — terá de descascar o abacaxi ou encaminhá-lo ao plenário. O problema é que os 11 supremos só voltarão a se reunir depois da eleição no Senado, que está marcada para 1º de fevereiro. O voto aberto reduz significativamente as chances de Renan Calheiros, que tenta disfarçar os próprios interesses como uma questão nobre de defesa da independência entre os Poderes.

O cangaceira das Alagoas afirma que a interferência do Supremo é uma “desmoralização para o Legislativo”, e recorre às carcomidas práticas políticas para se perpetuar no poder. Se sua estratégia não funcionar e a votação fora aberta, ele deve desistir da disputa, embolando ainda mais um jogo com pelo menos nove candidatos. Nesse entretempo, a tropa de choque de Bolsonaro tenta aglutinar forças em torno da candidatura de Major Olímpio, do PSL, e argumenta que a transparência no voto dos senadores é “coerente com os anseios da sociedade”. Aliás, são muitos os anseios da sociedade, e Bolsonaro se tornou depositário de boa parte deles. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

AINDA SOBRE HADDAD, LULA E O ESPELHO MÁGICO DA MADRASTA DE BRANCA DE NEVE




Conforme as eleições se aproximam e o blablablá dos políticos se acentua, fica cada dia mais difícil ouvir rádio e assistir à TV. Como se não bastasse o fato de os noticiários focarem quase que exclusivamente em desgraças de todos os tipos, formatos, cores e tamanhos, agora somos interrompidos a cada instante pelas inserções de candidatos que fazem nosso ouvido de penico.

Depois de semanas a fio tendo a novela da candidatura do presidiário inconformado (mas não arrependido) como entrada, prato principal e sobremesa, o PT finalmente sacramentou Fernando Haddad como postulante à Presidência, pondo fim à farsa da “chapa triplex” formada por Lula, seu poste e a trice do PCdoB.

Considerando que os gatos pingados que acompanham meus pitacos estão tão fartos de ler sobre esse assunto quanto eu de escrever sobre ele, resolvi aproveitar o post de hoje para transcrever um artigo publicado originalmente pelo jornalista Augusto Nunes em seu Blog. Do ponto de vista do leitor, isso não muda muita coisa, mas a mim concede um oportuno refrigério (afinal, ninguém é de ferro).  

Faltando quatro semanas para o primeiro turno da eleição presidencial, o PT finalmente sacramentou Fernando Haddad como seu candidato. Na versão oficial do partido, o candidato deveria ser seu guia supremo, Lula da Silva, mas este, de acordo com a martiriologia lulopetista, foi impedido pelo “golpe” — uma descomunal articulação entre políticos, juízes, banqueiros, imprensa e até o governo norte-americano para sabotar o projeto de fazer o Brasil ser “feliz de novo”, conforme diz o slogan da atual campanha.

Está claro desde sempre, e muito mais agora, que Haddad é apenas um preposto que concorrerá ao mais alto cargo do Executivo nacional não porque deseja administrar o País segundo suas ideias ou as de seu partido, mas para fazer as vontades de um presidiário, condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A já conhecida desfaçatez lulopetista parece ter atingido seu estado da arte.

Mais uma vez, Lula demonstrou que o PT deixou de ser um partido político e passou a servir como mero instrumento para os jogos de poder do ex-presidente. Todas as decisões a respeito da campanha foram tomadas depois de exaustivas consultas ao líder encarcerado, que transformou sua cela em Curitiba em escritório político — mais uma de suas tantas afrontas ao sistema judiciário. Como se estivessem diante de uma divindade, os petistas dobraram-se aos desígnios de Lula — que, segundo suas próprias palavras, não é mais um ser humano, e sim “uma ideia”.

Assim, a apresentação de Haddad como candidato do PT à Presidência cumpre apenas uma formalidade burocrática, pois era necessário colocar algum nome na urna eletrônica, e o de Lula está vetado, de acordo com a Lei da Ficha-Limpa, que impede criminosos condenados por órgãos judiciais colegiados de concorrerem a cargos eletivos. Ao apresentar um candidato explicitamente postiço, o PT está a dizer a seu eleitor que, se Haddad for eleito, o Brasil será governado de fato não pelo ex-prefeito de São Paulo, cujas qualidades, se houver, são irrelevantes, mas sim por seu líder encarcerado, a quem o eleito teria de pedir a bênção a cada decisão de Estado a tomar.

Nunca se chegou a tal ponto de degradação na história política nacional, mas é possível ter um vislumbre do terrível desastre que representaria para o País um desfecho como esse, se recordarmos como foi o desempenho dos famigerados “postes” de Lula — o próprio Haddad, na Prefeitura de São Paulo, e Dilma Rousseff, na Presidência da República.

Dilma, nunca é demais recordar, protagonizou um dos piores governos da História nacional, depois de ter sido vendida por Lula aos eleitores como uma competentíssima gerente. O Brasil ainda levará muitos anos para pagar toda a conta dessa irresponsabilidade, felizmente punida com o impeachment antes que a “obra” fosse concluída.

Já a administração de Haddad, como sabem quase todos os paulistanos, foi marcada pela ineficiência, tão grande quanto sua arrogância. Governou para uma ínfima parte dos paulistanos, que se deixaram encantar pela alegada “modernidade” do prefeito, e desprezou as prementes necessidades dos moradores da periferia, que dependem de serviços da Prefeitura.

O prometido “homem novo para um tempo novo”, como alardeou o PT ao apresentar Haddad como candidato à Prefeitura em 2012, revelou-se uma tapeação — e o resultado foi uma constrangedora derrota, já no primeiro turno, em sua tentativa de reeleição em 2016, quando conseguiu perder em todas as regiões da cidade.

Desta vez, contudo, nem é o caso de avaliar se Haddad é ou não competente para exercer a Presidência, pois sua campanha terá o único propósito de manter acesa a ofensiva lulopetista contra as instituições democráticas — e não surpreende que, na seita de Lula, haja quem discuta à luz do dia a hipótese de Haddad, se eleito, encontrar uma forma de tirar o demiurgo da cadeia. Sob qualquer aspecto que se avalie, uma campanha construída sobre tais bases é evidentemente uma afronta ao processo eleitoral e um prenúncio de desestabilização — ou seja, tudo de que o País não precisa.

Eu, humildemente, assino embaixo.

P.S. — Quanto ao espelho mágico da bruxa má, a imagem que ilustra esta postagem é autoexplicativa.

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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

O DEBATE NA BAND E A VAQUINHA DO PT



Na noite passada, oito candidatos à presidência participaram do primeiro debate eleitoral de 2018, promovido pela Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão. Como sói acontecer quando há muitos candidatos, acusações mútuas se sobrepuseram à desejável apresentação de projetos de governo, e as questões apresentadas foram usadas pelos participantes como armas para explorar as fragilidades dos demais concorrentes. E bota fragilidade nisso: dificilmente alguém em pleno uso das faculdades mentais, em havendo alternativa, cogitaria de votar em alguém daquela caterva, mesmo que fosse para presidir uma prosaica reunião de condomínio de periferia.

Guilherme Boulos contribuiu para tornar o cirquinho mambembe mais engraçado, afirmando que Henrique Meirelles, do MDB, não era o único candidato de Michel Temer: havia ali “50 tons de Temer”. Lula, impedido pela Justiça de participar da efeméride, classificou como “censura” o fato de um veículo de comunicação ser cerceado em seu “direito de informar”. Quanto civismo!

Mas o molusco teve direito a “um debate para chamar de seu” — cortesia de seus imprestáveis apoiadores, que promoveram um “debate paralelo” pelas redes sociais, com a hashtag #DebateComLula, onde foi divulgada uma carta em que o petralha criticou o veto à sua participação na TV (alguém esperava algo diferente?), além de vídeos com entrevistas e pronunciamentos recentes do criminoso — que também está proibido pela Justiça de dar entrevistas, mas quem se importa? Como se não bastasse, o PT promoveu uma “vaquinha online”, que arrecadou mas de R$ 500 mil em doações ofertadas por bocós que ainda babam os ovos do imprestável de Garanhuns. Quanta devoção!

Observação: A princesa vermelha Gleisi Hoffmann — também identifica como “coxa” e “amante” nas planilhas de propinas da Odebrecht — chegou atrasada ao “debate paralelo”, porque foi participar do ato realizado pela militância, nas cercanias da Band, em protesto contra a exclusão de seu amado líder do debate.

Ciro Gomes criticou a reforma trabalhista defendida por Alckmin; Marina classificou o acordo do centrão, costurado pelo tucano, como uma aliança “só por tempo de televisão”, Bolsonaro se indispôs com Ciro e abriu mão do seu tempo de resposta quando Boulos o chamou de “racista e homofóbico”, afirmando que não estava ali para bater boca com gente como o líder do MTST

Cabo Daciolo, candidato pelo Patriota, definiu-se como “servo do Deus vivo” e disparou contra tudo e todos. Meirelles, como era esperado, foi associado ao presidente mais impopular desde o fim da ditadura e, pouco habituado ao papel de candidato, teve dificuldade para defender sua política econômica. Na falta de opção melhor, frisou que não trabalhou nem para Lula e nem para Temer, mas “para o País”. Curiosamente, foi ele quem mais cresceu nas buscas digitais durante o debate.

Diversos candidatos elogiaram a Lava-Jato, sobretudo Álvaro Dias, que reiterou o convite a Sérgio Moro para ser seu ministro da Justiça e prometeu transformar a operação contra a corrupção “em uma política de Estado”. 

Ao final, ficou nítida a impressão de que o debate não passou de um desdobramento da rodada de sabatinas anteriores. Com a indefinição sobre a situação de Lula e do PT, os participantes se mostraram ressabiados e buscaram somente se apresentar aos eleitores nesta mais que confusa disputa presidencial. A meu ver, quem venceu o debate foi o sono. Eu mesmo adormeci no início do segundo bloco.

Vamos ver como ficam as coisas quando o horário político obrigatório começar a torrar nossa paciência pelo rádio e pela TV.

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terça-feira, 7 de agosto de 2018

LULA E SEU CONTO-DO-VIGÁRIO



Nem todo mundo sabe que, na origem da expressão conto-do-vigário, não há um golpista de batina. O vigário entrava na história apenas para agregar respeitabilidade à lorota do trapaceiro. O sentido, que todo mundo conhece, é de trapaça, ou seja, o vigarista tece uma história rebuscada, geralmente envolvendo uma grande soma em dinheiro, com o intuito de explorar a ingenuidade ou a cobiça das vítimas. Nada muito diferente, aliás, do que fazem os políticos nos palanques, do alto dos quais buscam votos mediante promessas que jamais irão cumprir. 

Um bom exemplo é a autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil, cuja trajetória política, de tão imaculada, garantiu-lhe nada menos que 7 ações criminais e (por enquanto) uma condenação a 12 anos e um mês de prisão. Concluindo esse preâmbulo, segue a transcrição da coluna de J.R. Guzzo, que foi publicada na edição impressa de Veja desta semana.

Está sendo feita hoje no Brasil o que talvez seja a maior campanha pela ilegalidade já tentada neste país desde que os acionistas majoritários da vida pública nacional resolveram que isso aqui deveria ficar com cara de lugar sério e fizeram uma Constituição com 250 artigos e mais de 100 emendas — sendo que boa parte dessa maçaroca não foi regulamentada até hoje, de maneira que não dá para saber direito o que vale e o que não vale. Escreveram mais leis do que qualquer outro país do planeta. Criaram uma espécie de Espírito Santo chamado “instituições”, ente invisível que flutua em cima de tudo e de todos, embora muito pouca gente saiba realmente o que vem a ser isso.

O tempo e os fatos mostraram que esse esforço para montar um Brasil civilizado se transformou numa piada — na verdade, a democracia moderna que se pretendia criar foi sendo desmanchada, na prática, a cada artigo da Constituição que ia sendo escrito. A ofensiva, agora, é para desmontar de vez o princípio básico segundo o qual a lei tem de ser obedecida por todos. É isso, e apenas isso, que quer dizer a campanha para soltar o ex-presidente Lula da cadeia, achar um jeito para ele concorrer à próxima eleição presidencial e garantir que volte ao Palácio do Planalto.

Trata-se de um conto do vigário de tamanho inédito, a começar pela ambição da mentira contada ao público. Nada do que o sistema de apoio a Lula pretende, e que a mídia divulga diariamente como a coisa mais normal do mundo, pode ser feito sem desrespeitar a lei. É como se alguém quisesse participar de um concurso popular para ser escolhido imperador vitalício do Brasil, ou algo parecido — não dá para fazer uma coisa dessas, não é mesmo? Mas é este o tema número 1 do debate político do momento.

Lula, como se sabe, está no xadrez, condenado a doze anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Recebeu sua sentença de condenação na 13ª. Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, no dia 12 de julho de 2017, e de acordo com a lei, recorreu em liberdade da decisão. Essa sentença foi confirmada e aumentada seis meses depois, em 24 de janeiro de 2018, por unanimidade de votos, por três desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, o tribunal superior encarregado de julgar o caso. No último dia 7 de abril, enfim, não havendo mais nada a se fazer, Lula foi preso. Ao longo dessa história, seus advogados entraram com mais de 70 recursos; não dá para dizer, em nenhum momento, que qualquer dos direitos do réu para se defender foi violado.

O ex-presidente está na cadeia porque não poderia, muito simplesmente, estar em nenhum outro lugar — é para lá que a lei penal manda os criminosos depois de condenados em segunda instância. Fazer o quê? Muita gente pode achar que a sentença foi injusta, assim como há muita gente achando que foi justíssima. Mas achar uma coisa ou a outra não muda nada. Só a Justiça, e ninguém mais, tem autorização para resolver, no fim de todas as contas, se alguém é culpado ou não.  Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sistema judiciário precisa dizer se as provas apresentadas contra o réu são válidas ou não; se forem consideradas válidas, o sujeito vai para a penitenciária. Isso não depende da opinião de quem gosta de Lula ou de quem não gosta. É a lei que decide ─ e ela é igual para todos. Ou se faz assim ou ninguém é condenado nunca, porque os advogados vão continuar dizendo até o fim da vida que seus clientes não fizeram nada de errado.

Só que Lula e os seus fiéis não aceitam isso. Obviamente, um indivíduo que está preso não pode, ao mesmo tempo, ser presidente da República. A saída da esquerda, então, tem sido manter de pé uma fake news monumental — Lula é um “preso político” que tem de ser solto para candidatar-se à Presidência, ganhar a eleição e recomeçar os seus “programas sociais” em favor dos pobres. Além do mais, “todas as pesquisas” dizem que o presidente tem de ser ele. Onde já se viu uma bobagenzinha como a aplicação da lei penal, mais a Lei da Ficha-Suja, ficarem atrapalhando tamanho portento?

É essa novena que vem sendo pregada todos os dias pelo Brasil pró-Lula ─ artistas, “intelectuais”, “celebridades”, a maior parte da mídia, a Rede Globo, os empreiteiros de obras, os fornecedores de lixo enferrujado para a Petrobras e todos os que estão impacientes para voltarem a roubar em paz. Não há nem sequer uma sombra de presença do povo brasileiro, não do povo de verdade, em nada disso aí. É pura sabotagem contra o que ainda sobra de nossa escassa legalidade.

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sábado, 30 de dezembro de 2017

2017 FINALMENTE SE VAI... O QUE ESPERAR DE 2018?


Há exatos doze meses, dizíamos adeus para o ano de dois mil e dezechega e comemorávamos esperançosos a chegada de 2017. E deu no que deu!

No final de 2015, tínhamos uma presidente encurralada no Palácio do Planalto, sem autoridade, sem nexo e sem respeito; um presidente da Câmara descrito como homem de poderes sobrenaturais e um vice-presidente decorativo, mas que, por suas celebradas habilidades no manuseio de parlamentares e políticos em geral, era visto como uma ponte que poderia conduzir à salvação a Rainha Bruxa do Castelo do Inferno. Demais disso, tínhamos um ex-presidente da República que posava de gênio da política, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos ― e que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu benefício ―, e um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a presidanta, seu abjeto antecessor e seu espúrio partido.

Por pior que tenha sido, o ano de 2016 nos brindou com deposição de Dilma. Lula se tornou réu pela primeira vez (numa das 7 ações criminais que vem colecionando desde então) e foi condenado a 9 anos 6 meses de prisão. A economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

2017, ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes, começou com rebeliões em presídios e uma greve absurda da PM  que resultou na morte de centenas de pessoas. Ainda em janeiro, um trágico acidente aéreo ceifou a vida do ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Mesmo assim e a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. Foram para a cadeia políticos notórios, como o deputado Rodrigo Rocha Loures ― ex-assessor e homem da mais estreita confiança de Michel Temer ―, o deputado Geddel Vieira Lima ― homem dos R$51 milhões e também amigão do peito de Michel Temer ―, os ex-governadores Sérgio Cabra, Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e outros tantos do alto escalão da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (a começar pelo presidente).

Mas a coisa azedou a partir de maio, quando uma conversa de alcova entre Michel Temer e o moedor de carne bilionário Joesley Batista, gravada à sorrelfa por este último nos “porões do Jaburu”, foi publicada por Lauro Jardim em O Globo. O presidente foi demovido da ideia de renunciar pelos puxa-sacos de plantão (que seriam fatalmente desalojados de seus cargos e perderiam a boquinha do foro privilegiado) e, em pronunciamento à nação, jurou de pés juntos que “a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Ato contínuo, passou a mover mundos e fundos (sobretudo fundos) para se escudar das flechas do então procurador-geral Rodrigo Janot e barrar a abertura de inquérito no Supremo. E o resto é história recente.

Debalde as previsões cataclísmicas de que este governo estaria com os dias contados ― cantadas em prosa e verso por nove entre dez analistas políticos e formadores de opinião de plantão ―, Michel Temer, tal qual os “bagres-sem-cabeça” que boiam nos esgotos a céu aberto que cortam a cidade de São Paulo, recusa-se teimosamente a afundar. Como na fábula russa de Pedro e o Lobo, sua iminente queda acabou cansando, e a maioria da população deixou de dar ouvidos à falácia (não que isso tenha feito algum bem à popularidade do presidente, cujos índices são tão ruins ― ou piores ― que os de Collor e Dilma durante seus respectivos processos de impeachment).

Já não se fala mais que Temer vai cair no dia seguinte, nem se especula como seria o governo de Rodrigo Maia ou, imaginem só, da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. Embora poucos digam isso em público, tem-se como “cenário provável” sua permanência no Planalto até 31 de dezembro de 2018. Como salientou J.R. Guzzo em sua coluna na revista Exame do último dia 20, o governo está morto moralmente, e já há um bom tempo ― desde que se comprovou que o presidente da República mantinha reuniões nada republicanas, na calada da noite e em seu próprio palácio, com um escroque confesso e bilionário que hoje está na cadeia. Só que não estamos no Japão, onde um ministro faz haraquiri em público quando é pilhado roubando um clipe de papel. No Brasil, ninguém morre só de moral, sobretudo se tem à disposição o Diário Oficial, os cargos comissionados e a chave do Erário.

E a questão não se resume à permanência do presidente no jogo até o apito final: de uns tempos a esta parte, incentivado pelas reformas que ninguém antes dele conseguiu aprovar (insuficientes, é verdade, e limitadas por concessões às marafonas do Congresso), pela queda dos juros e da inflação, e pelo crescimento da produção industrial (o melhor resultado em 4 anos), Michel Miguel Elias Temer Luria, em carne e osso, começou a aparecer na imprensa como possível candidato à reeleição.

(Pausa para as gargalhadas.)

Os desafios do Brasil para o próximo ano são imensos. O país precisa voltar a crescer para elevar o padrão de vida material do seu povo e explorar nossa energia criadora em sua plenitude. Precisa aprovar reformas estruturais para modernizar-se e competir com qualidade no mundo globalizado. Precisa civilizar a vida política, estabelecendo um padrão ético aceitável, e superar as feridas de uma profunda divisão de ideologia e métodos. Precisa, enfim, reencontrar o caminho da estabilidade institucional, mas, mais importante que tudo, o povo (ah, o povo) precisa se conscientizar do poder que o direito (ou obrigação) de voto lhe assegura. Em outubro, além de eleger o sucessor de Michel Temer (e dos governadores dos Estados e deputados estaduais) teremos a valiosíssima chance de substituir todos os 513 deputados federais e 2/3 dos 81 senadores da República. Pensem nisso.

Feliz ano novo a todos.

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sábado, 7 de outubro de 2017

A PARÁBOLA DO RÉU PRÓDIGO



A PARÁBOLA DO RÉU PRÓDIGO ― Por José Nêumanne, publicado no Estadão

Quem é Luiz Inácio Lula da Silva? O herói que deu acesso às linhas aéreas e ao ensino superior aos pobres e por isso conta com o apoio de pelo menos 35% dos eleitores, o dobro da preferência atribuída aos dois principais adversários, de acordo com a pesquisa Datafolha ― o oficial da reserva que conta com a nostalgia da ditadura militar e a militante ambiental? O bandido que já deveria ter sido preso, na opinião de 54% dos mesmos entrevistados? Ou seria os dois em um? Talvez fosse ainda o caso de acrescentar mais uma quarta opção: todas as hipóteses anteriores.

Os fatos falam por si. Em dois mandatos de quatro anos cada, o ex-líder sindical virou dono do Partido dos Trabalhadores (PT) e “messias” das esperanças salvacionistas da esquerda e de grande parcela da população, porque amealhou um prestígio avassalador. Este lhe garantiu eleição, reeleição após ter sido flagrado com a mão na botija no escândalo do mensalão e metade do mérito pela vitória de Dilma ― o poste que impôs aos companheiros petistas ―, eleita com a mãozinha nada desprezível do PMDB de Michel Temer e reeleita pela lei da inércia e pelo sucesso da repetição da parceria.

A estratégia sensata de não se opor às conquistas dos antecessores que se lhe opunham, para depois construir sua própria fortuna, no maior assalto ao conjunto dos cofres da República, reservou a Lula o lugar mais alto no pódio dos heróis. Ainda hoje, apesar de tudo o que já se descobriu, ele exibe a mais bem-sucedida trajetória pessoal de uma política fragmentária e cruel como o é a nossa. Isso é suficiente para lhe garantir o apoio incondicional de um terço do eleitorado nacional, que nada cobra dele. Muitas razões mais têm os 54% que disseram aos pesquisadores que o que foi descoberto de sua longa e profícua atividade fora da lei pelos policiais federais e procuradores da Operação Lava-Jato já dá motivos suficientes para que o titular da operação, o juiz federal Sergio Moro, o condene a uma cela no inferno prisional brasileiro.

Lula protagoniza a parábola do réu pródigo. No âmbito da Lava-Jato, foi condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, acusado de ter recebido uma cobertura triplex no Guarujá como propina da OAS, por serviços que lhe prestou no governo. Na mesma operação responde a acusações do Ministério Público Federal de ter recebido da Odebrecht o apartamento vizinho ao dele, em São Bernardo, e um terreno onde pretendia construir a sede do Instituto Lula. Na Justiça Federal de Brasília, ele é acusado em processos penais que dizem respeito a tráfico de influência, negócios em Angola e obstrução de Justiça. É uma incrível via-crúcis com várias estações do Código Penal.

Ilícitos penais à parte, revelações vindas à tona ao longo desse percurso ― que sua defesa chama de perseguição política ― desnudaram atitudes nada condizentes com seu ícone de mártir popular. Apelidado de “amigo” de Emílio Odebrecht nas planilhas do departamento de propinas da empreiteira, teve o dissabor de ser acusado por este de ter comprado dele greves de interesse da empresa no Recôncavo Baiano. Assim como antes havia sido apontado como informante das lutas sindicais ao então diretor do DOPS, Romeu Tuma, pelo filho homônimo deste no livro Assassinato de Reputações (Topbooks, Rio, 2013), nunca contestado por Lula, algum advogado ou aliado dele. No livro O que Sei de Lula (Topbooks, Rio, 2011), narrei um encontro no qual ele relatou particularidades do movimento sindical a um agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), em plena ditadura militar, que ele ajudou a derrubar ao desafiar a legislação trabalhista com as greves que liderava no ABC.

A tentativa de transferir delitos de que é acusado para sua falecida mulher, mãe de seus filhos e avó de seus netos, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de seu caráter. A carta de seu ex-lugar-tenente Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda em seu governo e chefe da Casa Civil na (indi)gestão de Dilma Rousseff, contém detalhes malfazejos desse caráter cheio de jaça. Pouco importa que o missivista esteja longe de ser um santo, como demonstrou o sórdido episódio da desqualificação do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que testemunhou contra ele no escândalo de certa mansão em Brasília. Os crimes de que é acusado o ex-prefeito de Ribeirão Preto foram cometidos sob a égide de Lula.

Outro episódio que expõe à luz solar sua contumácia em mentir com cinismo é o dos recibos entregues por sua defesa para “comprovar” que Marisa Letícia ― sempre ela! ― pagou religiosamente os aluguéis de um apartamento que o casal ocupa ao lado da própria moradia a um incerto Glaucos da Costamarques, que aparece como Pilatos no Credo. Ou como o J. Pinto Fernandes, súbito personagem do poema Quadrilha (que não se perca pelo título apropriado para o caso), de Carlos Drummond de Andrade.

Seu discípulo na arte de tergiversar, o dr. Zanin Martins apareceu com recibos que nada comprovam, até porque transações comerciais rotineiras não são atestadas por eles, mas por movimentação bancária fiscalizada pelo Banco Central. E ainda reinventou o calendário gregoriano, datando dois em inexistentes 31 de junho e 31 de novembro. Os papéis inúteis poderão provocar o vexame de revelar mais uma farsa típica de Lula, se a perícia da Polícia Federal atestar em laudo que foram assinados no mesmo dia.

O mito do teflon de Lula, que evita lama em seu ícone, é ajudado por pesquisas como a última em que ele surgiu como adversário do juiz que o condenou, Sergio Moro. Qualquer brasileiro com QI superior a 30 sabe que não lhe será fácil obter daqui a um ano atestado de ficha limpa e que o julgador em parte de seus processos penais não deixará a carreira para se candidatar a nenhum posto na política. Trata-se do mesmo material de ilusões de que é feita sua fama de intocável.

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