quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O COMPLEXO DE VIRA-LATA E A LEI... ORA, A LEI!


A expressão “complexo de vira-lata” foi cunhada por Nelson Rodrigues durante a Copa de 1950, quando a seleção uruguaia derrotou a brasileira no Maracanã. A conquista da taça na Suécia, oito anos depois, e as vitórias em 1962, 1970, 1994 e 2002 elevaram o moral tupiniquim (até o fiasco de 7 a 1 na partida contra a Alemanha, em 2014), mas, fora do campo futebolístico, o “país do futuro” continua “deitado eternamente em berço esplêndido”.

Não haverá perspectiva de mudança enquanto os “vira-latas” não se conscientizarem de que é preciso eleger políticos sérios, que coloquem os interesses da nação à frente de suas próprias conveniências. Até lá, o país continuará “patinando”, sobretudo por conta da ignorância da população em geral, mas também devido ao inchaço da máquina pública e à vastíssima gama de regalias do funcionalismo ― como o execrável foro privilegiado, que torna quase 60 mil cidadãos “mais iguais que os outros”.

Infelizmente, não é só: Juízes, promotores, desembargadores e até ministros das nossas Cortes superiores agem como se leis só valessem quando vão ao encontro de suas crenças ou laboram em favor de seus apaniguados. Existe toda uma discussão sobre o Judiciário dever ou não ser um instrumento cego de aplicação da lei, mas nada se decide, e as decisões monocráticas dos ministros da nossa mais alta Corte, que deveriam contribuir para segurança jurídica, produzem resultados diametralmente opostos.

Vivemos numa democracia capenga, mas, mesmo assim, regida por leis. As leis podem ser boas ou ruins, necessárias ou inúteis, razoáveis ou estúpidas. Se causam mais mal do que bem, elas podem ― e devem ― ser revogadas e substituídas por outras que as corrijam. Mas é fundamental que sejam cumpridas por todos e aplicadas a todos da mesma forma e com os mesmos critérios ― pouco importando se o cidadão é ex-presidente da República ou punguista de feira, megaempresário ou ladrão de galinhas, médico-estuprador ou corretor zoológico ― e que as decisões tomadas hoje para este ou aquele tipo de caso ou circunstância sejam iguais às que serão tomadas amanhã em casos e/ou situações análogas.

Qualquer pessoa com o Q.I. de um pé de alface é capaz de entender a lógica de um sistema assim, mas nossos homens públicos preferem a morte a se sujeitarem à previsibilidade da lei. E ninguém trabalha tanto para manter a insegurança jurídica no Brasil do que o próprio Poder Judiciário. Como esperar, então, coerência, lógica ou respeito às leis se procuradores, promotores, juízes, desembargadores e ministros são os primeiros a rasgar essas leis quando se trata de aplicá-las a si mesmos ou a seus “bandidos preferidos”?

No Rio, Piccianis são presos, soltos e presos de novo; Garotinhos entram e saem da cadeia como de um hotel; Sérgio Cabral dá ordem aos carcereiros, e por aí vai. No meio de todo esse caos, a presidente do Supremo balbucia decisões incompreensíveis, enquanto a personificação de Zeus que habita não o Olimpo, mas o STF, e nas horas vagas preside o TSE concede um Natal mais feliz a (mais) oito políticos e empresários acusados ou suspeitos de corrupção. Apenas para citar um exemplo, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral e condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de corrupção comandado pelo marido, trocou a cadeia de Benfica pelo conforto do cinematográfico apartamento do casal no Leblon. Segundo José Simão, durante o traslado a dondoca chegou a pedir ao agente da PF que desse uma paradinha no Shopping Leblon, pois ela queria passar na H. Stern (é gozação, naturalmente, mas só rindo para não chorar).

Por essas e por outras, o abaixo assinado que pede a cabeça de Gilmar Mendes, o cada vez mais impopular comandante da tropa de toga ― que transformou em espetáculo circense o “julgamento do século” no TSE, absolveu a chapa Dilma-Temer e nos ensinou que “a contundência das provas varia conforme o grau de amizade entre o presidente da Corte e o acusado” ― já contabiliza 1,6 milhão de assinaturas. Pelo visto, a popularidade de sua insolência é quase tão rasteira quando a de Michel Temer, e depois que a revista Veja dedicou mais de 10 páginas à relação obscura do magistrado com certo moedor de carne bilionário ― antes frequentador eventual dos porões do Palácio do Jaburu, hoje hóspede do fabuloso sistema penitenciário tupiniquim ―, a virulência das decisões estapafúrdias do ministro aumentou consideravelmente.

Na semana passada, esse laxante togado soltou réus e investigados da Lava-Jato a torto e a direito ― como Anthony Garotinho, Antonio Carlos Rodrigues, Miguel Schin e Gustavo Estellita ―, empenhou-se em retirar da alçada do juiz Moro processos contra réus do Quadrilhão do PMDB ― como Geddel, Cunha, Loures e companhia ―, investiu contra a condução coercitiva de testemunhas, enfim, pintou e bordou (mais detalhes nesta postagem). 

A julgar pelo que se tem visto, diversos membros do Supremo, que deveriam agir como guardiões da Constituição, atuam como advogados de defesa de criminosos. Parecem não ter noção de que não foram eleitos para coisa alguma, apenas passaram num concurso público e/ou foram nomeados para os cargos que ocupam (a propósito, Lewandowski e Toffoli eram meros advogados quando foram indicados para o STF por Lula).

Observação: A atual composição do Supremo é a pior da nossa história recente. À exceção do decano Celso de Mello, nomeado por Sarney, de Gilmar Mendes, herança maldita de FHC, de Marco Aurélio Mello, indicado pelo primo Fernando Collor, e de Alexandre de Moraes, escolhido por Michel Temer, todos os demais foram guindados ao cargo por indicação de Lula ou de Dilma.

Igualmente preocupante é a polarização do Supremo. De uns tempos a esta parte, intermináveis debates em linguagem rebuscada, quase pernóstica, denota uma batalha de egos que não interessa à nação, como tampouco decisões tomadas por 6 votos a 5. Na 2ª Turma, responsável pelos processos da Lava-Jato, a situação é ainda pior: o trio-calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski) parece empenhado em derrotar o relator Edson Fachin, que fica isolado ou, quando muito, é acompanhado pelo voto do ministro Celso de Mello.

Visões diametralmente opostas são um problema sério para o país. O debate é saudável e a troca de opiniões pavimenta o caminho para uma democracia consolidada, mas, ultimamente, a impressão que se tem é de que, mais do que lei ou a jurisprudência, vale mesmo é a posição pessoal de cada ministro, não raro expressa na base do grito ou em bate-bocas que nos dão a impressão de estarmos assistindo a uma guerra de egos. Tudo isso produz insegurança e depõe contra a sobriedade que se espera de um colegiado como o STF, ainda mais quando as sessões são televisionadas e transmitidas ao vivo para todo o Brasil.

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