Mostrando postagens com marcador Gilmar Mendes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gilmar Mendes. Mostrar todas as postagens

domingo, 10 de novembro de 2019

O VERDADEIRO PRESIDENTE DO BRASIL



Quem preside o Brasil, atualmente, não é o chefe do Executivo. Tampouco é o Congresso quem legisla. O Judiciário absorveu ambas essas atribuições e, através de um inusitado golpe institucional, vem restaurando o império da corrupção.

Como tudo que é ruim sempre pode piorar, a situação tende a se agravar enquanto a sociedade não pressionar deputados e senadores para que restaurem a prisão em segunda instância e alterem a composição do STF e a forma como os ministros são nomeados, bem como darem seguimento às dezenas de pedidos de impeachment contra os togados que cometeram crimes de responsabilidade (mais de uma dezena dormita nos gavetas de Alcolumbre, a maoiria contra Gilmar Mendes e Dias Toffoli).

"O Supremo se tornou o verdadeiro poder no Brasil, e o poder para o mal", salientou o professor Modesto Carvalhosa em entrevista concedida neste sábado ao Jornal da Manhã da Rádio Jovem.

Segundo o jurista, a suprema jabuticaba podre da última quinta-feira culminou o trabalho que a Corte vinha desenvolvendo há tempos, concedendo habeas corpus em maça para corruptos, empurrando para as calendas o julgamento dos julgamento dos processos e blindando criminosos de investigações em andamento, como fez Toffoli ao atender o pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (que paralisou todas as ações baseadas em dados obtidos junto ao Coaf e à Receita Federal), tudo com o propósito óbvio e ululante de restaurar, na cara dura, o governo populista de esquerda.

Como se viu ontem após a primeira torrente de solturas, a sociedade brasileira está refém da bandidagem. Em nenhum país do mundo a prisão do condenado depende do trânsito em julgado da sentença — entendimento absurdo, mas defendido por magistrados inimigos do povo com base numa interpretação facciosa do inciso 57 do artigo 5º da Constituição, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Não é crível nem possível que um "canalha" (para usar a definição que Bolsonaro  escolheu quando finalmente resolveu comentar a libertação de Lula) não possa ser preso após ter sido condenado por um juiz de primeiro grau, três desembargadores do TRF-4 e oito ministros do STJ. Exigir o trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para autorizar prisão do condenado afronta a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira. Quando mais não seja porque é na segunda instância que se encerram a produção de provas e a discussão sobre a materialidade do fato. Só não vê isso quem não quer.

Só para relembrar: No STF, que têm 1150 funcionários concursados e cerca de 1700 terceirizados, cada ministro tem direito a até 40 assessores e 3 juízes auxiliares. Manter esse dinossauro alimentado custa aos contribuintes mais de R$ 1 bilhão por ano. Some a isso os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST, os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores e os bilhões tragados pelo ralo da corrupção e veja porque você trabalha 153 dias por ano só para pagar impostos (que consomem 41,80% da sua renda) e o Erário nunca tem dinheiro para investir em Saúde, Educação, Segurança, etc.

Segundo J.R. Guzzo, o Brasil da corrupção, do desprezo pelo império da lei e da impunidade perpétua para os bandidos da elite ganhou de novo. Ganhou por pouco, e teve de ir aos seus piores extremos, em matéria de mentira, falsificação da realidade e prática avançada da trapaça para ganhar, mas garantiu um período de sobrevida para a usina de lixo que processa o que existe de mais tóxico na vida pública e privada deste país.

Os seis ministros que votaram contra a possibilidade de mandar para a cadeia criminosos que foram condenados duas vezes seguidas, por juízes diferentes, vão ficar marcados, para sempre, como os cúmplices do crime em modo extremo no Brasil. Sua decisão, que assegurou aos criminosos o direito de ficarem em liberdade enquanto suas sentenças de condenação não “transitarem em julgado”, não é uma interpretação do que está escrito na Constituição, mas uma deformidade patológica — sem paralelo na lei de nenhum país sério do mundo — cujo objetivo é ajudar um corrupto condenado em duas instâncias, mais a manada de ladrões cevada em seus dois mandatos como presidente e no mandato e meio de sua sucessora. Mais do que tudo, pretende retardar ao máximo a eliminação das piores práticas que envenenam a existência do Estado brasileiro.

Constituição? Direito de defesa? Soberania das provas? Que piada. Eles mesmos, no STF, já tinham decidido ao contrário do que acabam de decidir, deixando claro que condenações em segunda instância são suficientes, sim, para se enviar um criminoso para a penitenciária. Não há nada mais para ser provado a essa altura, e ele pode continuar recorrendo para os tribunais superiores — desde que o faça de dentro do xadrez.

O que a facção dos seis fez agora foi aplicar um golpe, embrulhado em palavrório de vigarista jurídico — “sabença”, “ficto”, “convolar” — para favorecer a sua clientela. Está todo mundo cansado de saber quem é ela: as “criaturas do pântano”, que passam a vida cercadas de advogados e que não entendem a noção, nem sequer a mera noção, de que a maioria das pessoas vive de outra maneira.

Ou o Congresso volta a ser um Poder, ou não haverá esperança para esta republiqueta de bananas.      
*******

Hoje é domingo, e domingo é dia de massa (a menos que, ontem, você tenha jantado a pizza que eu sugeri no post do dia, porque aí não há dieta que aguente). Preparar uma macarronada parece ser tão simples quanto fritar um ovo, mas não se engane: em ambos os casos o resultado será bem melhor se você seguir algumas dicas simples, mas fundamentais. No que concerne ao macarrão, não basta tirar a massa do pacote, colocá-la para cozinhar, depois escorrer, cobrir com o molho e correr para o abraço (ou para o prato, melhor dizendo). Preparar esse prato como manda o figurino demanda alguns cuidados. Confira:

Água: embora a questão seja controversa, a maioria dos entendidos e palpiteiros de plantão recomenda usar 1 litro para cada 100 gramas de massa. Isso porque, sem espaço suficiente para "dançar" dentro da panela, o macarrão ficará grudento. Adicionalmente, prefira cozinhar o alimento numa panela leve (isso facilita na hora de escorrer), mas grande e bordas altas, no estilo caldeirão. Mesmo para quantidades pequenas de massa, ferva pelo menos 3 litros de água. Sempre adicione o sal (a medida  indicada é de 1 e 1/2 colher de sopa de sal para cada 1/2 quilo de massa) depois que a água ferver (ou ela demorará muito mais tempo para entrar em ebulição), e só então coloque o macarrão na panela. Massas longas, como o espaguete, não cabem inteiras em panelas pequenas, mas partir o feixe ao meio é uma heresia. Em vez disso, coloque-o em pé e vá mexendo delicadamente com uma colher de pau de cabo longo. A porção mergulhada na água irá amolecer, e a que está seca imergirá automaticamente. Continue mexendo até que os fios se "espalhem".

Azeite: o truque do fio de azeite que sua avó usava para o macarrão não grudar é coisa do tempo da sua avó. Hoje, adicionar gordura à água deixará a massa pesada e dificultará a absorção do molho. Mas note que, com massas frescas recheadas, adicionar um pouco de azeite na água evita o atrito e impede que elas abram.

Tempo: confira na embalagem o tempo de cozimento recomendado pelo fabricante. O ideal é que a massa fique "al dente", macia por fora mas levemente resistente por dentro. Para alcançar esse ponto, retire o macarrão da água cerca de 3 minutos antes do tempo indicado e termine o cozimento junto com o molho — que você deve preparar concomitantemente em outra panela. Tenha em mente que massas artesanais ou caseiras (como fettuccine) jamais terão a mesma textura firme de massas industrializadas, demandando, portanto, mais tempo de cozimento. Mas tome cuidado para evitar que fiquem moles demais.

Escorra rapidamente: quando a massa ficar "al dente", escorra-a imediatamente — ou ela continuará cozinhando mesmo com o fogo desligado. Note que escorrer a massa não é lavá-la. Só passe o macarrão em água fria se for usá-lo numa salada.

Adicionalmente: reserve uma concha da água do cozimento (ela lhe será útil para encorpar o molho, devido ao resíduo de trigo que a massa solta na água). Se não quiser terminar o cozimento da massa no molho, providencie para que este fique pronto antes daquela (do contrário o macarrão esfria, perde a textura e gruda). Assim que escorrer a massa, junte-a ao molho, misture até que o caldo envolva todo o macarrão e sirva em seguida. Caso prefira servir a macarrão separado do molho, acrescente a ele um pouco de manteiga ou azeite.

Bom apetite.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SUPREMO INAUGURA ERA DO ABSURDO



Retomado o julgamento das imprestáveis ADCs que questionavam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, os votos de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello levaram o placar a 5 votos a 5. Esse resultado era tão previsível quanto a noite suceder ao dia. O que não se sabia era para que lado o vento sopraria depois que Dias Toffoli proferisse o voto de minerva. Até porque o eminente magistrado não só acenara com a possibilidade de um meio termo (prisão após condenação em terceira instância) como também dissera que "voto nosso na Presidência não é o mesmo voto de bancada".

Não foi o que aconteceu. Chegou-se a imaginar que a sessão seria adiada mais uma vez, dado o avançado da hora. Tanto Gilmar quanto Toffoli prometeram ser concisos, mas a Maritaca de Diamantino cantou por longos 90 minutos, o decano levou uma eternidade para ler seu voto (mais de 100 páginas) e o general da banda se estendeu por intermináveis três horas — durante as quais muita lenha foi queimada e pouca fumaça do bom direito, produzida. 

Ao final do blablablá, pelo placar de 6 votos a 5, a jurisprudência vigente desde 2016 — que vinha capengando desde então — foi substituída pelo nefasto entendimento de que o cumprimento da pena deve ocorrer somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Se serve de consolo, o pupilo de Gilmar — que mesmo sem currículo, conhecimento ou luz própria foi alçado ao Supremo em 2009 pelos "bons serviços" prestados a Lula, a Dirceu e ao PT e hoje sonha em ter sua passagem pela presidência da corte lembrada como "conciliadora", mas age como um embaixador da injustiça — acenou ao congresso que não se oporá a uma mudança na legislação que restaure a possibilidade da prisão em segunda instância. 

Não sei com que autoridade ele fala por seus pares. Marco Aurélio dos Tempos Sombrios, por exemplo, recentemente repreendeu-o por exorbitar de suas funções de presidente: “É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”, criticou o primo de Collor

Na sessão de ontem, Lewandowski não escondeu seu descontentamento com o colega petista a propósito de uma determinação do presidente da República — depois relativizou, dizendo que obedeceria de bom grado uma ordem do "presidente do de poder", mas não se curvaria aos desmandos do chefe do Executivo. Agora sou eu quem pergunta: Aonde vamos parar?

Observação: Lewandowski, nunca é demais lembrar, foi indicado por Lula à ao Supremo por influência da família Demarchi (de SBC) e recomendação da então primeira-dama (falo da oficial, não de Rosemary Noronha, que foi namorada do petralha durante 19 anos e viajava mundo afora no avião presidencial, sempre ao lado de Lula, que em 2006 a nomeou chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo em 2006). Dos oito ministros alçados à Corte durante as gestões petistas, ele e Toffoli são os que mais demonstram ter vestido a toga por cima da farda de militante petista.  

Sobre as consequências dessa guinada jurisprudencial, sobretudo no futuro da Lava-Jato, é melhor esperar a poeira baixar antes de arriscar alguma previsão. O que se ouviu dos analistas até agora foi um amontoado de especulações desencontradas. Ficou claro apenas que o julgamento de ontem, devido, sobretudo, à posição de Gilmar Mendes, virou um debate crítico sobre a Lava-Jato. Manifestações de repúdio à decisão vem sendo convocadas para amanhã, mas eu não sei se reunirão gente suficiente para impressionar quem deve ser impressionado. Afinal, o povo está cansado, muita gente já jogou a toalha ou pediu o boné. Quem pôde, já juntou os trapos e comprou uma passagem só de ida para bem longe daqui. Como dizia minha finada mãe, "quem pode, pode, quem não pode, se sacode".

Como o escorpião da fábula, Toffoli não é capaz de mudar sua natureza. Em seu voto, saiu em defesa da instituição, tentando convencer (talvez a si mesmo) de que a sensação de impunidade não é culpa STF, mas do sistema judiciário brasileiro, que precisa de uma ampla reforma desde a base. Afirmou que a execução após condenação em segunda instância não evita a impunidade (?!), que a Corte não atua de maneira política, e que enviou moção aos presidentes da Câmara e do Senado para que os prazos prescricionais sejam suspensos durante os recursos ao STJ e STF. Num determinado momento, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo tirou onda com a nossa cara dizendo que, ao criar a lei que vincula o trânsito em julgado ao início do cumprimento da pena, o legislador atendeu aos "anseios da sociedade" (faltou esclarecer qual sociedade, se a Máfia, se o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte...). 

Enfim, a decisão colocou Lula a um passo do meio-fio, mas não lavou sua ficha-suja, pois a sentença do TRF-4 no caso do tríplex ainda está em pé. Mas a coisa muda se a 2ª Turma do STF acolher o pedido de suspeição (contra Sérgio Moro) que a defesa do petralha protocolou. Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas deve devolvê-lo ainda este mês, e há chances reais de anulação da sentença. Nessa hipótese, o Supremo lavará, por assim dizer, a ficha enodoada de Lula, que está momentaneamente inelegível até 2035, quando completará 89 anos. Esse é o grande sonho do criminoso de Garanhuns, que já conquistou o direito de deixar o cárcere especial em Curitiba, e a própria Lava-Jato já requisitou à Justiça sua progressão de regime prisional. Confirmando-se o placar favorável na 2ª Turma, o molusco abjeto poderá percorrer o país ostentando sua pose de candidato a um terceiro mandato presidencial. O PT já organiza a caravana. Lula se equipa para fazer campanha no ano que vem para candidatos petistas às prefeitura das principais capitais do país.

Não concordo com muita coisa que o ministro dos tempos estranhos diz, mas é impossível discordar que são mesmo estranhos os tempos atuais, sobretudo agora que o Supremo resolveu inaugurar a era do absurdo. Durma-se com um barulho desses e viva o (otário) povo brasileiro.

E viva o povo brasileiro!

domingo, 27 de outubro de 2019

NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA


E

era um vez um reino distante, no qual, certa madrugada, quando todos ainda dormiam, o rei mandou pôr uma enorme pedra na estrada que passava defronte ao palácio e se escondeu num local de onde podia observar sem ser visto. Não demorou a aparecer um camponês com uma longa pluma tremulando no quepe, uma reluzente espada balançando na cintura e devaneios de bravura cruzando-lhe a mente enquanto ele sua mente enquanto puxava uma carroça carregada de grãos.
— Por que ninguém tira essa pedra da estrada? — vociferou o bravo aldeão, enquanto pelejava para contornar o obstáculo. Quando conseguiu, seguiu adiante, preferindo reclamar da inoperância alheia a tentar ele próprio tirar a pedra do meio do caminho.

Ainda nas brumas que antecedem o amanhecer, surgiu um jovem soldado com uma longa pluma no quepe, uma reluzente espada na cintura e a mente perdida em batalhas mirabolantes, onde ele posava de herói sem mácula. Distraído, esbarrou na pedra e foi ao chão. Levantou-se, sacudiu a poeira da farda, desembainhou o sabre e se pôs a esbravejar contra quem deixara aquela imensa pedra no meio do caminho. A exemplo do camponês, porém, o militar seguiu estrada afora sem esboçar qualquer tentativa de remover o obstáculo.

E assim foi ao longo de todo o dia, enquanto o rei, do seu esconderijo, tudo observava. Cada um que passava reclamava, praguejava, mas simplesmente seguia adiante, até que, ao cair da noite, a filha do moleiro, que vinha cansada das muitas horas trabalhadas no moinho, pôs-se a discutir consigo mesma o perigo representado pela pedra, dada a possibilidade de acontecer um grave acidente no escuro da noite que se avizinhava. Assim, ela desceu da montaria, espalmou as mãos na rocha, empurrou, depois puxou e por fim girou, até que finalmente conseguiu colocá-la à margem da estrada.

Terminado o serviço, a jovem reparou numa caixa que estava enterrada sob a rocha. Ela se aproximou e viu que na tampa havia os seguintes dizeres: “Esta caixa pertence a quem retirar a pedra”. Para sua surpresa, a caixa estava repleta de moedas de ouro e pedras preciosas.

Tão logo souberam do ocorrido, o camponês, o soldado e os demais que havia contornado a pedra voltara voltaram ao local e passaram a revolver febrilmente a terra de onde a moça tirou a caixa, na esperança de encontrar mais moedas de ouro. Foi quando o rei, que tudo observava, se aproximou e disse a seus súditos:

— Meus caros, não raro encontramos pedras no caminho, mas preferimos reclamar em alto e bom som enquanto nos desviamos delas, quando deveríamos removê-las e descobrir o que há sob elas. E o preço da preguiça é normalmente a decepção pelas oportunidades perdidas. — Ato contínuo, sua majestade desejou uma boa noite a todos e caminhou, assoviando, de volta para seu castelo.

Moral da história: "No meio de toda dificuldade sempre existe uma oportunidade".

Para fechar com "chave de ouro" este raro momento de descontração, segue um clipe imperdível:


Bom domingo a todos.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA - IT'S NOW OR NEVER



Ricardo Boechat — morto em fevereiro passado numa esdrúxula queda de helicóptero — dizia que se pode morrer de tudo no jornalismo, menos de tédio. E com efeito. Nesta semana, por exemplo, enquanto Bolsonaro e seu partido protagonizam um bate-boca que pegaria mal até em cortiço de quinta classe (se brigar pelo poder já uma merda, quando quase meio bilhão de reais estão em jogo, aí é merda e meia), o Senado votará em segundo turno a reforma previdenciária (o que deve acontecer hoje) e STF dará prosseguimento do julgamento das ADCs que podem mudar mais uma vez a jurisprudência quanto à possibilidade ou não do cumprimento antecipada da pena por condenados em segunda instância. Como se vê, é teste para cardíaco.

Observação: Para quem passou as últimas semanas em Marte, na semana passada, após as manifestações do relator, dos advogados dos autores das ações e de representantes da sociedade civil que discursaram na condição de amicus curiae (partes interessadas na discussão jurídica), a sessão foi suspensa e adiada para esta quarta-feira, com início previsto para as 9h30. Portanto, suas excelências togadas terão de pular da cama mais cedo que de costume.

Em fevereiro de 2016, quando Dilma Rousseff, Eduardo Cunha e Renan Calheiros eram, respectivamente, presidentes da República, da Câmara e do Senado, e a Lava-Jato aterrorizava a classe política, Gilmar Mendes, na sessão plenária que mudou o entendimento que a corte havia adotado sete anos antes, vociferou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado”. Hoje, passados pouco mais de três anos, de maior patrocinador da prisão após condenação em segunda instância o magistrado passou a articulador do movimento político-jurídico que começou a se materializar na última quinta 17. Na sessão extraordinária desta quarta, serão ouvidas ainda duas sustentações de amici curiae, além das manifestações da AGU e do MPF. Só então terá início a leitura dos votos, começando pelo ministro Marco Aurélio, relator das estapafúrdias ADCs

Se, a exemplo dos ratos encantados com a música do Flautista de Hamelin, a maioria dos ministros se render ao canto e aos encantos da Maritaca de Diamantino, a mudança na jurisprudência pode fulminar os avanços experimentados pelo país no combate à impunidade, atingir frontalmente a maior operação anticorrupção da história e beneficiar ilustres condenados por desvio de dinheiro público, como o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, além de abir as portas da cadeia para outros quase 5 mil presos. 

Para entender melhor essa questão é preciso voltar a março de 2016, pouco antes de Dilma ser afastada, quando Sérgio Moro, então juiz titular dos processos da Lava-Jato em Curitiba, tornou públicos os famosos áudios de conversas entre a criatura e o criador — dos quais se inferia que a nomeação do Lula para o cargo de ministro da Casa Civil de Dilma era uma forma de protegê-lo do avanço da força-tarefa, e com base nisso Gilmar Mendes barrou a posse e ordenou que as investigações sobre o petralha ficassem em Curitiba, onde tramitariam mais rapidamente. Vivia-se então o auge da boa convivência entre os integrantes da força-tarefa e o semideus togado, mas já se delineavam horizonte as auroras nascituras da nova era Gilmar.

A metamorfose se deu aos poucos. No final daquele ano, conforme a Lava-Jato avançava sobre políticos corruptos, o magistrado já falava em “excessos". "Para mim, por exemplo, no que diz respeito à prisão provisória sem limites, isso me parece excessivo e precisa ser discutido no TRF, no STJ e no Supremo, disse ele em 24 de outubro. Detalhe: àquela altura já se antevia que o próximo alvo dos investigadores seria o Judiciário. Em 2017, os ataques de Gilmar à Lava-Jato se intensificaram no mesmo ritmo em que a operação engolfava figuras ilustres do PSDB, e o governo de Michel Temer tornou-se alvo das investigações. Nunca é demais lembrar que Mendes era carne com o Vampiro do Jaburu, tanto que sua atuação na presidência do TSE, durante o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma/Temer, foi determinante para a absolvição dos réus — por "excesso de provas", como ironizou o relator da ação, ministro Herman Benjamin.

A partir de então, travestido de cruzado, Gilmar passou a atacar as “prisões alongadas que se determinam em Curitiba”. A certa altura, declarou que uma denúncia feita pelo Ministério Público era quase “uma brincadeira juvenil”. Além dos emedebistas investigados, o PT e uma parte importante do establishment político passou a ver nele um aliado. Encontros com lideranças desses partidos passaram a ser frequentes, mas faltava ao magistrado a influência sobre a agenda do STF — que ele conseguiu quando Toffoli substituiu Cármen Lúcia na presidência do tribunal.

A relação de Toffoli com Gilmar já era de muita proximidade (detalhes nas postagens anteriores), e o vínculo se fortaleceu depois que suas respectivas consortes, as também advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, entraram no radar da Receita Federal por suspeita de fraudes tributárias em suas atividades profissionais. Mas o movimento articulado pela dupla contra a Lava-Jato ganhou força com os vazamentos das conversas hackeadas dos celulares de integrantes da força-tarefa, que levaram o STF, notadamente a ala garantista (ou banda podre, como preferem alguns), a rever decisões que antes abriram caminho para que a investigação deslanchasse. 

Alguns ministros começaram a impor travas a métodos utilizados pelos investigadores, como fez Toffoli ao limitar a atuação do antigo COAF, hoje UIF. Outros recursos em andamento na corte, como o que pede a declaração de suspeição de Sergio Moro no julgamento de Lula, tornaram-se uma espada de Dâmocles sobre a Lava-Jato e seus integrantes. Muitos desses recursos chegaram a ser acolhidos, sempre com Gilmar liderando o coro dos críticos. Foi nessa toada, por exemplo, que o tribunal ordenou a primeira anulação de uma sentença de Moro pela jabuticaba jurídica segundo a qual o réu delatado deve apresentar seus memoriais (ou alegações finais) depois do réu delator — regra que não existe nem na Constituição nem nos códigos penal de de processo penal, e que, aliás, não muda em nada o rumo do processo. 

Há tempos que Gilmar vem buscando embasamento para sustentar a guinada no entendimento da Corte sobre o início do cumprimento da pena após condenação em segundo grau. Seu principal argumento é que o Supremo havia decidido que a prisão após a condenação por um juízo colegiado era apenas uma “possibilidade”, mas virou regra nas instâncias inferiores. O próximo passo foi convencer Toffoli de que havia maioria favorável à retomada do debate, já que Marco AurélioRicardo Lewandowski e Celso de Mello, defensores atávicos da prisão somente o trânsito em julgado da sentença condenatória, reivindicavam uma nova análise. No canto oposto do tablado, os ministros Barroso, Fachin, Fux e Cármen Lúcia vinham resistindo à ideia, mas não só se tornaram minoria como perderam o controle da agenda do tribunal quando Cármen deixou a presidência.

Como tudo que envolve o plenário do STF de uns tempos a esta parte, o resultado do julgamento das ADCs é imprevisível. Se a tendência de retrocesso se confirmar, será a terceira mudança nas últimas três décadas. É bom lembrar que o entendimento pela prisão dos condenados em segunda instância, sem prejuízo da interposição de recursos, prevaleceu desde a promulgação da Lei Fleury, durante a ditadura militar, até 2009, quando o STF mudou a jurisprudência. Em 2016, Teori Zavascki, liderou a virada; no julgamento ora em curso, os votos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes são considerados determinantes. A ministra sempre foi contra a prisão em segunda instância, mas no julgamento do habeas corpus de Lula, em abril de 2018, posicionou-se a favor, alegando que deveria respeitar a jurisprudência vigente. Já o novato da Corte era a favor do cumprimento antecipado da pena, mas passou a ser contabilizado como um possível voto contra depois que se aproximou da dupla Mendes/Toffoli.

Menos improvável que a manutenção da jurisprudência vigente é o tribunal estabelecer um meio-termo.  O próprio Toffoli, que quer vincular sua passagem pela presidência da corte a uma postura conciliadora, chegou a propor que a prisão dos réus se dê após a confirmação da sentença em terceira instância (STJ). Em algum momento, Mendes se mostrou favorável a essa solução, mas não se sabe se continua a sê-lo ou se defenderá de maneira intransigente o cumprimento da pena depois do trânsito em julgado (que no Brasil equivale ao Dia de São Nunca, conforme comentei nos capítulos anteriores).

Ao abrir a sessão do dia 17, Toffoli fez questão de (tentar) desfulanizar o julgamento: “Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. (…) O objetivo é dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição. Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros”, afirmou sua excelência. Mas é óbvio que, como quase tudo mais neste país, esse furdunço tem a ver com o picareta dos picaretas, o desempregado que deu certo, o criminoso de Garanhuns, o presidiário de Curitiba.

Depois do discurso de ToffoliMarco Aurélio Mello leu seu relatório e aproveitou para disparar contra o presidente da Corte — que no final do ano passado cassou a liminar que Mello concedera para soltar todos os condenados em segunda instância que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores, Lula incluído. O primo de Collor fez questão de enfatizar que "o presidente da Corte é coordenador e não superior hierárquico dos pares". A resposta veio ao final da sessão, quando Toffoli, com a voz embargada, elogiou o relatório e disse que sua admiração por Marco Aurélio só aumentava. Puro teatro...

Nesta quarta-feria, as rusgas entre os ministros devem ser expostas, deixando evidente, mais uma vez, a cizânia entre a ala que defende Lava-Jato, com Fachin e Barroso à frente, e a que se esforça para limitar a operação, capitaneada pelo ministro que o próprio Barroso qualificou como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento" — em outro momento, referindo-se ao colega mas sem citá-lo nominalmente, disse o ministro: “Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”.   

Eventual mudança na jurisprudência teria grande impacto sobre o combate à corrupção no país. A autorização concedida pelo Supremo em 2016 tem eficácia, principalmente, contra políticos e poderosos que, mesmo tendo dinheiro para pagar bons advogados, não conseguem mais alongar tanto os processos e se livrar das punições. Sem medo da prisão, as delações premiadas, outro instrumento fundamental para os investigadores em geral, tendem a diminuir, e o país volta a ser uma exceção à regra: em grande parte do mundo desenvolvido, a prisão após condenação em segunda instância é permitida; Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Itália e Argentina são alguns exemplos, e os Estados Unidos chegam a ser até mais rigorosos: o cumprimento da pena começa, muitas vezes, após a condenação em primeira instância. 

Gilmar, o porta-estandarte da mudança, diz estar pronto para o embate. Em 2016, quando sua posição era outra, para além de dizer que "não se conhece no mundo civilizado um país que exija o fim do processo para prender os réus", ele anotou como positiva a prisão de personagens graúdos, algo que poderia até levar à melhoria das condições das cadeias brasileiras. Em favor da tese que sairia vitoriosa naquela ocasião, a maritaca mato-grossense destacou que os réus vão perdendo a presunção de inocência à medida que o processo avança — para prender, portanto, não seria necessário o tal trânsito em julgado. Era, de fato, um outro Gilmar. O Brasil continua a ser o mesmo, mas o autoconcedido papel desse magistrado, de dono do Supremo e decisor capaz de levar a corte para lá ou para cá, está, mais do que nunca, evidente. Urge podar-lhe as asas.

Com Crusoé.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O TEXTO DE J.R. GUZZO QUE A REVISTA VEJA NÃO QUIS PUBLICAR



A FILA ANDA… — O TEXTO DE J.R. GUZZO QUE A REVISTA VEJA NÃO QUIS PUBLICAR

Conforme eu compartilhei em minha página no Facebook, o jornalista J.R. Guzzo — integrante do conselho de administração do grupo Abril e colunista das revistas Exame e Veja —, por quem eu tenho a maior admiração, deixou Veja depois que a revista rejeitou a matéria que ele escreveu para publicar em sua coluna desta semana.

Guzzo e Roberto Pompeu de Toledo se revezavam na página final da Veja, e sua coluna, assim como a de Dora Kramer, é para mim o último bastião e a única razão de continuar lendo a revista, que assino há mais de uma década. Ou assinava, já que resolvi não renovar a assinatura quando sua equipe editorial se aliou à Folha, à BandNews et caterva para divulgar de maneira sensacionalista o material que o site panfletário The Intercept Brasil obteve de criminosos e vem vazando a conta-gotas, a pretexto uma pseudo cruzada moralizadora contra o ex-juiz Sérgio Moro e a Lava-Jato.

Veja sempre foi implacável com os crimes cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam dúzias de reportagens de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista com Pedro Collor, em 1992, que foi determinante para o impeachment do ex-caçador de marajás de araque. Agora, a exemplo de certo togado supremo em relação à prisão em segunda instância e de certo presidente desta Banânia em relação a suas promessas de campanha de acabar com a reeleição e de dar carta branca ao ministro da Justiça e Segurança Pública no combate à corrupção, a revista virou a casaca.

Deixo claro que minha decisão nada tem a ver com revanchismo barato nem a descabida pretensão de alinhar o viés editorial do que leio às minhas convicções político-partidárias. Apenas me recuso a continuar prestigiando quem resolveu compactuar com o desserviço que Verdevaldo das Couves vem prestando ao país ao atacar de maneira leviana a maior operação anticrime e anticorrupção da história e denegrir a imagem do ex-juiz e dos procuradores que a simbolizam.

Se é esse o "novo projeto jornalístico de Veja", eu passo. E prevejo um debandar geral de assinantes. Esquerdistas de carteirinha e quem mais bebe as palavras emanadas do site oficial do PT e do igualmente abjeto Brasil 247 de Leonardo Attuch, e da revista Carta Capital de Mino Carta, para ficar nos exemplos mais emblemáticos. Esses certamente não comprarão Veja, pois não tem por que consumi requentada, em segunda-mão, nos pratos sujos do pseudo "jornalismo isento e independente" da moribunda Veja, toda essa merda sectária e fanática e sectária. Aliás, rima com "moribunda" o que se poderia limpar com as páginas daquela que um dia foi melhor revista semanal do Brasil, não fosse o fato se o papel em que ela é impressa não ser absorvente.

Dito isso, transcrevo o texto de Guzzo que Veja se recusou a publicar e, na sequência, a posto a matéria que havia programado para hoje.
   
Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiros de hoje é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrumento à disposição da República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transformado em problema, pois sua função é justamente resolver problemas — o Supremo Tribunal Federal. O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso, conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha.

Aberrações malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação do Corpo de Bombeiros e demais serviços de salvamento. Mas o STF é outro bicho. Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de tremer – não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuarem em ação.

Eles são os onze ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a própria mãe no plenário. Só há uma maneira da população se livrar legalmente deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensação, não podem ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não podem voltar nunca mais. Glória a Deus.

Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas considerações básicas a se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a apavorante “Segunda Turma” do STF — o símbolo, hoje, da maioria de ministros que transformou o Supremo, possivelmente, no pior tribunal superior em funcionamento em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história.

A primeira consideração é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático. A segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos 365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski. Antes deles, já em novembro do ano que vem e em julho de 2021, irão para casa Celso de Mello e Marco Aurélio — será a maior contribuição que terão dado ao país desde sua entrada no serviço público, como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos irão embora — os bons, os ruins e os horríveis.

Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamente impossível que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no polo positivo e uma subtração no polo negativo — o que vai acabar influindo na formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”.

Com mais algum tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowski. A menos que o presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para seu lugar tende a ser o seu exato contrário — e o STF, enfim, estará com uma cara bem diferente da que tem hoje.

O fato, em suma, é que o calendário não perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do presidente da República seja investigado criminalmente, ou que provas ilegais, obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de justiça. Mas não pode obrigar ninguém a fazer aniversário por ele. Gilmar e os seus colegas podem rasgar a Constituição todos os dias, mas não podem fugir da velhice.

O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza de que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é justiça. Não estará sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros.

Se tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de insegurança, desordem e injustiça que existe hoje. Só não há jeito, mesmo, para quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo.

Para estes, paciência. (Poderiam contar, no papel, com o Senado — o único instrumento capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o impeachment de ministros do STF, mas isso não vai acontecer nunca; o Senado brasileiro é algo geneticamente programado para fazer o mal).
*******

Retomando a conversa do ponto onde paremos na postagem anterior, em fevereiro de 2016 o plenário do Supremo igualou o Brasil aos países desenvolvidos e decidiu pelo início do cumprimento da pena criminal após a decisão condenatória de tribunal em segunda instância (HC 126.292, relator ministro Teori Zavascki). Entendeu a maioria que o início da execução da pena não fere o princípio da presunção de inocência, pois no julgamento da apelação faz-se o completo reexame dos fatos e provas, garantindo o direito ao duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Às instâncias superiores (STJ e STF) cabe apenas apreciar questões de Direito, sem análise das provas. À primeira poderão ser arguidas eventuais ofensas à legislação e à segunda, matérias constitucionais cuja relevância transcenda os interesses particulares da causa. Assim, a condenação em segunda instância esgota a presunção de inocência, e como o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, é razoável o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado.

Excepcionalmente, em casos de flagrante afronta à jurisprudência do STJ e do STF ou de manifestos erros e constrangimentos ilegais — que poderão ensejar a anulação do processo ou a absolvição do réu — será cabível medida cautelar para suspender a execução da pena ou, ainda, a impetração de habeas corpus, que tem trâmite mais célere. Trata-se, todavia, de exceções, conforme pesquisas de coordenadorias de gestão do STJ e do STF, divulgadas pelo ministro Roberto Barroso (O Globo, 2/2/2018 e 5/4/2018). No STJ, entre setembro de 2015 e agosto de 2017, a Corte reverteu apenas 0,62% das condenações em segunda instância. No STF, no período de janeiro de 2009 a abril de 2016, as absolvições corresponderam a menos de 0,1% dos recursos.

Em 2016, como referido, o STF reverteu posição firmada em 2009, quando a maioria conferiu caráter absoluto ao princípio da presunção de inocência e admitiu o início do cumprimento da pena criminal somente após o julgamento de recursos pendentes no STJ e no STF (HC 84.078). Essa posição era atípica no plano internacional, não tinha coerência com o sistema normativo e a organização da Justiça estabelecidos pela Constituição, tinha impacto estatisticamente irrelevante no resguardo da liberdade de réus inocentes e ignorava que penas decorrentes de condenações com ilegalidade manifesta podem sempre ser remediadas por meios excepcionais. Mas o mais importante é que permitia que os processos perdurassem por longo tempo nas instâncias superiores e motivassem a interposição de sucessivos recursos internos, favorecendo a ocorrência significativa da prescrição de ações penais.

Nas mencionadas pesquisas, no período de setembro de 2015 a agosto de 2017, verificou-se que 830 ações penais prescreveram no STJ e 116 no STF. A referida posição favorecia a não punição expressiva de condenados, em prejuízo da efetividade do dever de punir do Estado. A proteção da liberdade individual não pode ser realizada a ponto de comprometer a finalidade e a efetividade da ordem jurídica na prevenção e repressão de condutas danosas à convivência humana. A prisão somente após trânsito em julgado favorece até mesmo a não punição de crimes contra a ordem econômica e a administração pública, o que, consequentemente, acaba por incentivar a perpetuação dos delitos de corrupção. Isso contribui para a perda de confiança da população no próprio Direito e no Poder Judiciário, desestimulando o respeito à lei e às instituições públicas, que passam a ser vistas como seletivas e complacentes com privilégios oligárquicos.

A dignidade humana só é verdadeiramente respeitada num Estado Democrático de Direito quando a lei é seguida e cumprida de forma isonômica e proporcional, de modo a contribuir para a responsabilização de quem descumpre seus deveres e abusa de sua liberdade, assegurando-se o bem comum e a legitimidade da ordem jurídica. E, mais grave, a posição propicia fator impeditivo do desenvolvimento do País: a corrupção endêmica (cf. Índice de percepção da corrupção em 2018, Transparência Internacional). O principal incentivo ao boom de colaborações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato foi exatamente a posição do STF a favor do cumprimento da pena criminal após a condenação em segunda instância. Agora a matéria volta a ser analisada pelo plenário do STF, onde se discute a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, cuja redação foi alterada em 2011 e se limitou a reproduzir a então posição que o STF adotou em 2009.

Esse dispositivo é inconstitucional, pelos motivos já expostos: o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode tornar inviável a efetivação razoável do dever de punir do Estado, a ponto de enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O exemplo da corrupção, dentre os graves crimes que não podem ficar sem pena, é bastante significativo: o Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população, impondo-lhe condições de vida indignas e perda de confiança nas leis e nas instituições. Portanto, espera-se que o STF cumpra o seu papel de defender a Constituição e confirme o seu entendimento de prisão após condenação em segunda instância. Trata-se de interpretação imprescindível para a permanência do nosso contrato social democrático, fundado nas leis sempre voltadas para o bem comum, o que é incompatível com a impunidade dos criminosos.

Com Modesto Carvalhosa.

domingo, 20 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O SEGREDO DE POLICHINELO — SEGUNDA PARTE



Erga omnes ou não, e a despeito do sentido em que o vento soprar, a decisão que o STF deve tomar nesta semana pode ter vida curta, a depender de quem virá a ocupar a vaga do decano da Corte, que se aposenta no ano que vem, e de Marco Aurélio, o relator das nefastas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB que motivaram a rediscussão da prisão após condenação em segunda instância pela quinta vez desde 2016, que pegará o boné em 2021 (já vai tarde; que Deus o leve, guarde e esqueça onde).

Para quem não se lembra, esse primo de Collor — e cuja filha foi nomeada desembargadora por Dilma, por indicação do ex-governador fluminense Sérgio Cabral — moveu mundos e fundos para pressionar Cármen Lúcia a pautar o julgamento das tais ADCs (a ministra resistiu, alegando que rediscutir o tema novamente seria apequenar o tribunal). Cármen deixou a presidência do STF em setembro do ano passado, mas Toffoli, que a sucedeu no posto, vinha empurrando a coisa com a barriga desde que assumiu o posto.

Em dezembro passado, no apagar das luzes do ano legislativo, Marco Aurélio concedeu uma liminar que abria as portas das celas de Lula e de outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos as instâncias superiores. Toffoli suspendeu o desvario do colega, que, rancoroso, desde então perde a chance de alfinetá-lo. Na sessão da semana passada, disse o ministro dos tempos estranhos: “É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia".

Já que falamos em Collor, custa-me acreditar que um sujeito que se elegeu presidente empunhando a bandeira de "caçador de marajás" e que renunciou às vésperas do julgamento do impeachment (por suspeitas de corrupção) continua na vida pública como senador. Como se isso não bastasse, o autodeclarado "homem macho de colhão roxo" é alvo de 7 inquéritos no STF,  réu em pelo menos uma ação criminal e alvo da Operação Arremate da PF, que mira um esquema de lavagem de dinheiro em Maceió e Curitiba.

A única explicação que me ocorre para tamanho descalabro é a péssima qualidade do eleitorado tupiniquim, que parece se aprimorar a cada eleição. Basta lembrar que, na última, essa formidável confraria de desaculturados convocou para o embate final justamente os dois extremistas mais extremados do espectro político-partidário, obrigando a parcela da população minimamente capaz de raciocinar a apoiar o Capitão Caverna para impedir a volta do PT.

Observação: Pensando bem, de um povo que votou no rinoceronte Cacareco (em São Paulo, nas eleições para vereador de 1959) e no Macaco Tião (no Rio, para prefeito em 1988) e ainda vê no criminoso Lula a solução para os problemas do Brasil (que esse molusco asqueroso só se tornará quando nos fizer a gentileza de vestir o pijama de madeira e ir comer capim na chácara do vigário ou na ponte que o partiu), não se poderia mesmo esperar porra nenhuma!

Ainda que na lista de postulantes à presidência (falo da eleição passada) houvesse mais aberrações  cabo Daciolo, Vera Lúcia, Guilherme Boulos, Marina Silva, Eymael e outros fugitivos da feira de horrores (aí incluída a vice na chapa do bonifrate do presidiário de Curitiba) ― do que possíveis soluções, não custava nada experimentar algo novo, como João Amoedo, Henrique Meireles ou Álvaro Dias. Queira Deus que em 2022 tenhamos candidatos "menos ruins", que não nos deixem novamente entre a cruz (leia-se Bolsonaro) e a caldeirinha (leia-se o fantoche que Lula escalará para disputar o pleito). Embora faltem 3 anos, o "mito" dos ignorantes, que, dentre outras promessas de campanha ficaram na campanha, prometeu acabar com a reeleição, já é candidatíssimo a mais quatro anos de reinado. Faz-me lembrar de Dilma, que, de olho em 2014, deixou de governar o país (se é que algum dia governou alguma coisa) para, numa segunda gestão, terminar de destruir a economia tupiniquim.

Voltando ao ministro Marco Aurélio, sua trajetória é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Seu pai, Plínio Affonso de Farias Mello, é até hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito — seu prestígio era tamanho que o general Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que o filho Marco a assumisse quando completasse 35 anos. Foi também graças ao prestígio paterno que ele foi guindado ao TST, em Brasília, onde o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria mais adiante e cobriria com a suprema toga.

Desde junho deste ano, quando Verdevaldo despejou o primeiro caminhão de merda sobre Moro e a Lava-Jato, esse luminar do saber jurídico vem destilando seu veneno contra o atual ministro da Justiça — talvez por ciúmes ou despeito, já que jamais conseguiu em seus quase 30 anos no supremo uma mísera fração do protagonismo e aprovação popular que o ex-juiz federal conquistou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná. Na verdade, Mello sempre teve predileção por ser voto vencido, e foi a encarnação do “espírito de porco” até Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses dos petistas e dos nababos da advocacia de Brasília — que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é conversa mole para boi dormir.

Observação: Para não repetir o que eu já disse sobre a atual composição do Supremo ser a pior de todos os tempos, sugiro a quem interessar possa reler este post e o seguinte. Mas volto a dizer que a solução não é fechar o tribunal, como defendem alguns extremistas (recomendo assistir ao clipe que eu inseri no final desta postagem).

É nas mãos de decisores desse quilate, comandados pela eminência parda que Augusto Nunes chama de Maritaca de Diamantino e presididos por ninguém menos que Dias Toffoli, cujo currículo é abrilhantado por duas reprovações em concursos para juiz de primeira instância e pelos bons serviços prestados a Lula e ao PT (como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, do partido e das campanhas do molusco, bem como consultor jurídico da CUT, ajudante de ordens do criminoso condenado José Dirceu e Advogado Geral da União), o eminente ministro não despiu o uniforme de militante quando vestiu a suprema toga em 2009, mais uma vez graças a Lula e com suas bençãos — mais uma demonstração cabal da falta de noção do criminoso de Garanhuns sobre a dimensão do cargo de ministro.

Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido o recém empossado ministro Antonio Dias Toffoli sem foi buscar apoio em Gilmar Mendes Ferreira, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Já consolidado no habitat, o ex-advogado de Lula passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível. O próprio Lula, certa feita, pegou-o pelo braço em um evento em Brasília e quis saber sobre a relação íntima entre ele e Gilmar — uma amizade outrora impensável. 

Medes, espertamente, viu em Toffoli um possível aliado e, aos poucos, foi ganhando sua simpatia — ao mesmo tempo em que lhe apresentava as gostosuras do poder, ajudava-o a ampliar sua rede de contatos e lhe mostrava como fazer para valorizar a caneta que lhe foi conferida pelo demiurgo de Garanhuns. Recentemente, depois que as mulheres de ambos entraram na mira de um grupo especial da Receita Federal que investigava possíveis fraudes tributárias em suas atividades profissionais, a amizade virou uma aliança estratégica e se somou aos interesses dos amigos dos dois ministros, um oriundo das hostes petistas e outro alinhado aos tucanos e emedebistas. E assim se abriu uma janela de oportunidade para transformar a agenda do Supremo em instrumento para enfraquecer a Lava-Jato.

Amanhã eu conto o resto.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

PARA ONDE VAI A NAU DOS INSENSATOS?



Lamento insistir neste assunto, mas começa hoje (e só Deus sabe quando termina) o julgamento das nefastas ADCs 43, 44 e 54. Considerando que as ações foram ajuizadas, respectivamente, pelo PEN, pela OAB sob a presidência de um petista de quatro costados e pelo PCdoB, boa coisa elas não poderiam ser.

Observação: O Conselho Nacional de Justiça emitiu uma nota oficial dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. Assim, esse é o total de casos que a princípio podem ser afetados pelo julgamento das ADCs. Vale lembrar, no entanto, que o presidente do STF também preside o CNJ, e que esses dados são baseados em informações repassadas pelos tribunais de todo o país, nem sempre atualizadas de modo sincronizado, podendo haver imprecisões
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma nota oficial hoje dizendo que foram expedidos 4.895 mandados de prisão pelo segundo grau dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. O dado foi extraído do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP). Assim, este é o total de casos que a princípio, segundo a CNJ, pode ser afetado pelo julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que será iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) amanhã. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/10/16/cnj-diz-que-ha-4895-presos-por-condenacoes-de-2-instancia-no-brasil.htm?cmpid=copiaecola

Essa novela vem ganhando novos capítulos porque, como a própria ministra Cármen Lúcia reconheceu quando presidia o STF, rediscutir a prisão em segunda instância pela quarta vez, em pouco mais de dois anos, seria apequenar o Tribunal. Mas talvez tivesse sido melhor a Corte ter posto um ponto final nessa história depois que a condenação de Lula foi confirmada pelo TRF-4 e o molusco foi recolhido na sua sala VIP em Curitiba.

Noves fora o breve período entre 2009 a 2016, os criminosos eram presos, no Brasil, após sua condenação em primeira ou segunda instâncias — como sói acontecer na maioria das democracias do Planeta. Num Judiciário com 4 instâncias, que oferecem "n" possibilidades de apelos e chicanas protelatórias, e onde a morosidade nos julgamentos aumenta em progressão geométrica, da primeira à última instância, estabelecer o início do cumprimento da pena depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é fomentar a impunidade e estimular a prática dos atos delituosos. Mas ainda há quem vê o cumprimento antecipado da pena como a obstrução do direito dos réus à plena defesa e, portanto, luta por restabelecer o status quo ante caso a maioria dos ministros não acolha a proposta do atual presidente da Corte, que sugere estabelecer como a condenação em terceira instância como marco regulatório do início do cumprimento da pena.

Nada disso deveria ter a ver com Lula, mas tudo tem a ver com Lula neste arremedo de país. Tivesse o picareta precedido a ex-primeira-dama na viagem sem volta à terra dos pés juntos, não haveria essa pressão toda sobre o tribunal — e nem sequer essas nefandas ADCs. Tivesse o assunto sido discutido anteriormente, mesmo sob pena de apequenar o que já é minúsculo, não estaríamos boiando feito merda n'água, ao sabor da total insegurança jurídica com que a pior composição de toda a história do supremo nos brinda dia sim, outro também. Na pior das hipóteses, os supremos togados poderiam ter tornado vinculante a posição que tomaram ao rejeitar o HC de Lula.

Não seria uma medida lá muito ortodoxa, é verdade. Mas quem se importa com isso num tribunal useiro e vezeiro em exorbitar sua competência e usurpar a do Congresso, como fizeram ao determinar a anulação das sentenças nos processos em que réus delatados não apresentaram seus memoriais depois dos delatores, por exemplo, a despeito de nem a Constituição nem os códigos Penal e de Processo Penal preverem nada parecido?

Tivessem os conspícuos togados resolvido de vez a pendenga e não estariam agora numa sinuca de bico, tende do votar sob pressão e a toque e caixa um assunto que a prisão de Lula transformou numa celeuma jurídica. E se e quando decidirem para que lado o vento deve soprar, sua decisão valerá até quando? Até Dilma ser presa? Ou Temer? Ou Collor? Ou Aécio? 

Mas o que me causa espécie é o silencio sepulcral do sempre boquirroto presidente desta banânia, que não deu um pio sobre o iminente julgamento das ADCs, sobre a anulação dos processos devido à ordem dos memoriais, ou mesmo quando viu o projeto anticrime e anticorrupção do seu ministro da Justiça ser depenado pelo Congresso. Depois que a prioridade do capitão passou a ser blindar seu primogênito, desceram pelo esgoto palaciano a máscara de inimigo figadal dos conchavos da velha política, do antipetismo e o escambau, juntamente com sua promessa de acabar com a reeleição, que, pelo visto, só valeu até o dia da posse.

O mito dos bolsomínions rosna como um pitbull feroz na ONU, mas ronrona feito um gatinho diante dos chefes dos outros podres Poderes, que o têm comendo na palma da mão desde que foi celebrado um espúrio acordão travestido de "pacto institucional". É bom lembrar que Michel Temer se tornou um pato-manco quando comprou da banda podre da Câmara Federal os votos necessários para escudá-lo das flechadas do ex-PGR Rodrigo Janot, o pistoleiro de araque que saca mas não atira. Em que toco fomos amarrar nosso bode!

Dora Kramer, cuja opinião eu respeito, fechou sua coluna em Veja desta semana dizendo que "o julgamento da questão sobre a prisão de réus condenados em segunda instância pode não ser o fim da Lava-Jato que se espera; o ministro Gilmar Mendes, tido como algoz da operação, já admite modulação na decisão de maneira a aplicar a regra de forma diferente de acordo com os casos."  Torçamos, pois. Aliás, vale a pena ler o restante do texto publicado pelo jornalista:

"Com todo o imenso e merecido respeito devido ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seus argumentos em prol da necessidade de “união do centro” têm sido insuficientes, por inconsistentes. FHC fala, mas aqueles a quem se dirige não fazem coisa alguma. Ele tenta, ainda sem sucesso, emular o dístico lançado por Franco Montoro e incorporado ao discurso de Tancredo Neves depois da derrota da emenda Dante de Oliveira (por eleições diretas para presidente) no Congresso. 'Não vamos nos dispersar', apelou Montoro em 1984 e repetiu Tancredo logo depois, levando milhões às ruas em defesa do fim do regime militar, mesmo que pela via indireta da eleição no colégio eleitoral do Congresso.

O que havia ali que diferenciava a situação da condição vivida nos dias de hoje? Entre outros fatores, confiabilidade nos autores dos discursos, objetividade e clareza de propósitos. Lá, o motivo era pôr fim ao ciclo militar e autoritário. Aqui, a ideia é confrontar um governo de princípios retrógrados com proposituras referidas num passado sem volta.

Para isso é necessário mais que palavras bacanas. É preciso ir muito além da indignação dos que, do sofá e com uma taça de vinho na mão, externam as respectivas posições reproduzindo opiniões de outrem nas ditas redes sociais.

É fundamental acrescentar ao debate nacional algo mais que as ideias tortas que podem ser tortas quando ditas por Bolsonaro mas que, reconheçamos, são claras para boa parte da população. Sejamos diretos: não adianta ter as ideias certas se você não consegue fazer com que sejam compreendidas de forma correta.

É preciso ter proposição, precisão, conteúdo e capacidade de convencimento para combater ideias tortas externadas de maneira errada. Isso se faz com argumentos e, principalmente, com um plano de ação hoje ainda inexistente para qualificar eleitoralmente as forças de centro que, antes de se posicionarem, precisam comer muito arroz com feijão no embornal da história do Brasil."

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

BRASIL, O PAÍS DO DEUS NOS LIVRE E GUARDE



Dizem que Deus é brasileiro, mas que se autoexilou e queimou o passaporte quando Bolsonaro foi eleito. Outros afirmam que Ele jogou a toalha semanas antes, quando viu que os eleitores haviam escalado dois cavaleiros do apocalipse para o embate final. Até Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil há 90 anos, está tão assustada com a situação do país que deu entrada num pedido de adicional por insalubridade. De acordo com o site Sensacionalista, a Santa, constantemente atacada pela bancada evangélica do Congresso — que a acusa de ter conseguido o emprego por ser mãe do chefe — chegou a cogitar de largar o posto e passar a ser padroeira da Síria. O que ela queria mesmo era se aposentar, mas tem apenas 300 anos e, portanto, ainda não tem direito ao benefício.

Brincadeiras à parte, a figura que ilustra esta postagem dá uma boa ideia do tamanho da encrenca. O desalento é geral. Menos entre os bolsomínions, é claro — a exemplo de como se comportam os devotos da seita do inferno diante de seu sumo pontífice ora presidiário, as toupeiras bolsonaristas, cegas pelo fanatismo desbragado, se deliciam com qualquer flatulência do "mito", pouco lhes importando o fato de o capitão vira-casaca ter quebrado suas promessas de campanha, como acabar com a reeleição, combater o crime, a corrupção e o PT.

Depois de preterir Deltan Dallagnol para o cargo de PGR e nomear Augusto Aras — que ameaça destituir Dallagnol do comando da Lava-Jato em Curitiba devido aos factoides criados pela Vaza-Jato de Verdevaldo das Couves —, o capitão promete indicar para o STF ninguém menos que o atual AGU, André Luiz de Mendonça, que é protegido de Toffoli e apoia de forma ampla, geral e irrestrita o inquérito aberto na Suprema Corte para perseguir qualquer cidadão que fale mal dos togados. Mas pior seria se pior fosse: se o bonifrate do sevandija de Garanhuns tivesse vencido o pleito, aí, sim, olharíamos para o brejo e veríamos da vaca somente as pontas dos chifres.

Seja como for, não há motivos para comemorações. Ao celebrar um acordão com os chefes dos demais podres Poderes — para escapar de uma deposição que estaria sendo articulada por parlamentares e parte da sociedade civil, além de blindar seu primogênito contra as investigações do escândalo Queiroz —, Bolsonaro se tornou refém do Congresso e do Judiciário. E falando no Judiciário, tão logo retornou do Vaticano, onde se fez de romeiro devoto de Santa Dulce dos Pobres, o mestre de cerimônias do circo supremo mandou abrir as bilheterias e apregoar que amanhã haverá função, e que o ponto alto do espetáculo será a prisão após condenação em segunda instância exibindo-se no trapézio sem rede de segurança.

Analogias à parte, eventual reversão na jurisprudência que vem se sustentando a duras penas fará com que cerca de 170 mil condenados, entre os quais o picareta dos picaretas, deixem a cadeia e aguardam em liberdade o julgamento de seus recursos. Por conta do vasto cardápio de chicanas protelatórias que as quatro instâncias do Judiciário colocam à disposição de criminalistas estrelados, esses criminosos só voltarão para a cadeia no dia de São Nunca, já que a pretensão punitiva do Estado não tem como vencer a corrida contra o trânsito em julgado das condenações.

O encarceramento de condenados em duas instâncias representou uma reviravolta. Além de levar à cadeia gente que se imaginava invulnerável, inverteu a lógica dos recursos. Preso, o condenado mantém intacto o direito de recorrer, mas perde o interesse pela postergação dos julgamentos. A abertura das celas restabelece a lógica da procrastinação. Com a restauração do velho ambiente propício à impunidade, a restrição do foro privilegiado, que parecia o fim de um privilégio, pode virar um superprivilégio: quem é julgado no STF não tem a quem recorrer, mas um corrupto empurrado para a primeira instância passa a dispor de todo o manancial de recursos judiciais. Com sorte e dinheiro para contratar bons advogados, provavelmente baterá as botas e passará a comer capim pela raiz na Chácara do Vigário muito antes de ver o sol nascer quadrado.

Quando assumiu a presidência do Supremo, Toffoli sinalizou que submeteria ao plenário uma proposta "conciliatória", que definiria como marco inicial do cumprimento da pena a condenação em terceira instância. Quando o recurso de Lula foi rejeitado por unanimidade no STJ, o interesse da banda podre da Corte por essa alternativa foi pro brejo junto com a vaca. Agora, ao pautar a rediscussão do tema (será a quarta vez em menos de quatro anos), o eminente ex-advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, do PT e das campanha de Lula pode realizar o sonho de todos os bandidos de colarinho-branco e do crime organizado do Brasil, que é cometer crimes e, se pilhados com a boca na botija, recorrer em liberdade até o trânsito em julgado de suas sentenças.

Nunca é demais lembrar que quem está por trás desse rebosteio é ninguém menos que o ministro Gilmar Mendes, apelidado de Maritaca de Diamantino por Augusto Nunes e brilhantemente definido pelo também togado supremo Luís Roberto Barroso como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento". A anunciada mudança de posição desse magistrado — que foi indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHC, e que votou a favor da prisão em segunda instância e se mostrava disposto a aceitar a proposta de Toffoli —, somada aos votos de Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, pode desencadear um formidável retrocesso se sensibilizar os ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber.

Moraes, indicado por Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki, é o novato da Corte e unha e carne com seu atual presidente. Este, que deve o cargo a Lula e ostenta em seu invejável currículo, além de uma longa lista de bons serviços prestados ao PT, duas reprovações em exames para juiz de primeira instância, pode ser levado a apoiar o trânsito em julgado se sua proposta não for aceita. Já a ministra Rosa, cujos votos costumam ser tão ininteligíveis quanto os pronunciamentos que a ex-presidanta Dilma fazia de improviso, já se declarou a favor do trânsito em julgado, mas vinha acompanhando a maioria a favor da prisão em segunda instância por entender que o tribunal deve manter coerência em suas decisões. Para evitar o pior, é preciso que os cinco ministros que votaram a favor da prisão em segunda instância — Moraes, Barroso, Fux, Fachin e Carmem — apoiem a proposta de Toffoli, que assim derrotaria seus próprios aliados.

Por último, mas não menos importante: o julgamento das nefastas ADCs (que dificilmente será concluído na sessão de amanhã) pode ter consequências também no âmbito político-eleitoral. Mesmo que o plenário decida pelo trânsito em julgado, Lula estaria impedido de se candidatar, pois a lei da Ficha-Limpa explicita que um condenado em segunda instância fica inelegível por oito anos contados a partir do cumprimento da pena. A menos que a 2ª Turma do STF anule no caso do triplex, só restará ao petralha tentar deslegitimar a própria lei, argumentando que, se a condenação em segunda instância deixou de ser o final de um processo penal, ela não pode ser considerada como fator impeditivo de uma candidatura eleitoral. Isso daria azo a outra disputa jurídica que fatalmente desaguaria no STF.

Merval Pereira lembra que a exigência de não ter condenação em segunda instância para um candidato é igual à exigência da idade mínima ou ao domicílio eleitoral, ou seja, nada tem a ver com a legislação penal. Mesmo porque ela foi aprovada em 1990, quando ainda vigia a exigência do STF do trânsito em julgado para a prisão de um condenado. Por outro lado, não se pode perder de vista que o ministro Gilmar Mendes (sempre ele) faz críticas severas à lei em questão, chegando mesmo a afirmar que ela parece ter sido escrita por um bêbado.

Como o futuro a Deus pertence, vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos. E torcer. Se isso não ajudar, atrapalhar é que não vai.